
Quando o Papa Francisco convocou os fiéis a ser uma “Igreja em saída”, em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, não lançou uma proposta nova, mas retomou a raiz missionária da própria Igreja. Desde o início, a comunidade cristã foi chamada a ultrapassar fronteiras, a testemunhar que o Evangelho é boa nova para todos.
Nesse horizonte, duas figuras se erguem como ícones dessa identidade missionária: o Apóstolo dos Gentios, São Paulo, e São João Batista Scalabrini, o Apóstolo dos Migrantes. Cada um em sua época, ambos viveram uma pastoral em movimento, deixando-se conduzir pelo Espírito Santo até os confins da terra (At 1,8).
Paulo: o missionário das nações
Saulo de Tarso, transformado pelo encontro com Cristo no caminho de Damasco (At 9,1-19), tornou-se Paulo, o grande apóstolo dos gentios. A ele coube a ousadia de levar o Evangelho para além das fronteiras do judaísmo. Como afirma São Paulo VI:
“(...) Ela [a Igreja] existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição.” (Evangelii Nuntiandi, 14).
A vida de Paulo confirma essa missão essencial. Em Antioquia, Corinto, Atenas, Éfeso ou Roma, ele pregava não a si mesmo, mas “Cristo crucificado” (1Cor 1,23). Bento XVI recorda:
“Vendo a agudeza do problema do acesso dos Gentios, isto é, dos pagãos, a Deus, que em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado oferece a salvação a todos os homens sem exceções, dedicou-se totalmente a dar a conhecer este Evangelho, literalmente "boa notícia", isto é, anúncio de graça destinado a reconciliar o homem com Deus, consigo mesmo e com os outros.” (Audiência Geral, 25/10/2006).
Suas cartas, ainda hoje lidas na liturgia, são testemunho de uma pastoral que nasce do encontro concreto com comunidades frágeis e em crescimento. Ali ressoam temas universais: a justificação pela fé (Rm 3,28), a unidade na diversidade de povos e culturas (Gl 3,28), a caridade como vínculo supremo (cf. 1Cor 13).
Assim, em Paulo vemos viva a afirmação do Concílio Vaticano II: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na ‘missão’ do Filho e do Espírito Santo” (Ad Gentes, 2).
Scalabrini: o apóstolo dos migrantes
Séculos mais tarde, outro coração missionário escutou o mesmo apelo: Dom João Batista Scalabrini, Bispo de Piacenza, na Itália, fundador dos Missionários e das Missionárias de São Carlos. Diante do fenômeno migratório de milhões de italianos que partiam para as Américas, Scalabrini compreendeu que a fé não podia permanecer estática.
“Devido ao seu amor pelos pobres, e de modo particular pelos migrantes, tornou-se apóstolo dos muitos concidadãos obrigados a deixar a própria terra, frequentemente em condições difíceis e com o risco concreto de perder a fé. Para eles, foi pai e guia. Podemos afirmar que João Batista Scalabrini viveu intensamente o Mistério Pascal, não pelo caminho do martírio, mas servindo a Cristo pobre e crucificado nos inúmeros necessitados e sofredores, pelos quais nutria especial predileção, com o coração de um verdadeiro pastor solidário com seu rebanho.” (São João Paulo II, Homilia para Beatificação de Três Servos de Deus, 9/11/1997).
Para o próprio Scalabrini, a mobilidade humana não era apenas um problema social, mas uma oportunidade providencial de evangelização: “A providência dirige a migração também por meio das catástrofes em direção à meta final, que é o aperfeiçoamento do homem sobre a terra e a glória de Deus no Céu”.
Com esse olhar, Scalabrini antecipou o que o Papa Francisco tanto insistiu:
“Se há homens que proclamam no mundo o Evangelho da salvação, fazem-no por ordem, em nome e com a graça de Cristo Salvador. ‘E como podem pregar, se não forem enviados?’ (Rm 10, 15) escrevia aquele que foi, sem dúvida alguma, um dos maiores evangelizadores. Ninguém, pois, pode fazer isso se não for enviado.” (Evangelii Gaudium, 59).
Uma Igreja em saída
A experiência de São Paulo e São João Batista Scalabrini mostra que a “Igreja em saída” é constitutiva da identidade cristã. Desde Jerusalém até Roma, de Piacenza até as Américas, a fé cristã floresceu porque discípulos ousaram sair de si mesmos, confiando na promessa do Ressuscitado: “Estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).
Hoje, a realidade migratória continua sendo um apelo missionário. Paulo e Scalabrini testemunham que a fé se fortalece quando é compartilhada em movimento. Uma Igreja fechada em si mesma perde o frescor do Evangelho; uma Igreja que sai, que atravessa fronteiras e acompanha os que caminham, torna-se sinal vivo do amor universal do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Texto: Pe. Alfredo J. Gonçalves (edição e adequação por Vitor da Cruz Azevedo, setor de conteúdo do Departamento Regional de Comunicação).
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