No dia 12 de abril de 2024 celebramos 135 anos da criação da Sociedade São Rafael para a proteção dos imigrantes italianos. Embora tenha durado apenas 30 anos, recordar esta instituição é importante por duas razões: primeiro, porque se trata da preocupação de Dom Scalabrini que viu nos leigos uma força eficaz para acompanhar e defender os imigrantes e, segundo, porque hoje pode inspirar aos leigos para renovarem seus compromissos batismais e assumirem esta intuição importante do carisma de São João Batista Scalabrini.
A Sociedade São Rafael pensada por Dom Scalabrini inspirou-se em outra organização que já funcionava na Europa, conhecida como Comitê da Sociedade de São Rafael para a proteção dos imigrantes alemães, fundada por um leigo em 1871. Assim, em 12 de abril de 1889 foi estabelecido em Piacenza o Comitê Central da Associação de Patronato dos Imigrantes italianos que, seguindo o modelo alemão, adaptou o nome São Rafael. Dom João Batista Scalabrini fundara dois anos antes, a 28 de novembro de 1887, a Congregação dos Missionários de São Carlos. Percebe-se, deste modo que a intenção de Dom Scalabrini ao fundar a Sociedade São Rafael era ter uma instituição diferente da Congregação recém fundada. A novidade naturalmente recaia sobre a participação ativa dos leigos.
Dom Scalabrini era consciente da complexidade emergente da mobilidade humana, das carências e das respostas necessárias da Igreja e da sociedade. Entendia que as necessidades dos emigrantes italianos eram essencialmente de dois tipos: moral e material. Explicitava o seu desejo de ‘organizar uma Associação na Itália, que fosse religiosa e leiga, de modo que fosse responsável por responder a esta dupla necessidade’.
A missão desta Associação deveria ser acompanhar e acolher os migrantes italianos nos portos de partida e de chegada. Embora a preocupação fosse bem mais ampla, Scalabrini insistia na urgência de ‘manter vivos no coração dos italianos emigrados a fé, o sentimento nacional e o afeto para com a mãe pátria’. Para que isso fosse possível, não se devia descuidar do bem-estar moral, físico, intelectual, econômico e civil dos imigrantes. O que seria possível com o esforço da sociedade em geral, da Igreja, e em particular com a participação dos leigos cristãos.
É verdade que a Sociedade São Rafael teve uma vida curta. Foram poucos anos de intensa atividade, mesmo assim deixou entrever a possibilidade do trabalho em conjunto dos Missionários Scalabrinianos e os leigos comprometidos. Funcionaram escritórios no porto de Gênova, na Itália, e em Nova Iorque e Boston, nos Estados Unidos. As primeiras atividades consistiram na conscientização sobre os perigos que os imigrantes sofriam, primeiramente nos portos, depois durante a própria viagem e finalmente no lugar de chegada. Homens inescrupulosos que procuravam formas de tirar proveito da dor destas pessoas que já sofriam com o fato de serem obrigadas a migrar.
Os primeiros sacerdotes scalabrinianos que se ocuparam da Sociedade São Rafael em parceria com os leigos foram os padres Francesco Zaboglio, Pietro Maldotti, Pietro Bandini, Giacomo Gambera e Gaspare Moretto. Certamente não se tratava de um trabalho simples, pois as exigências eram muitas, e deviam dominar pelo menos duas línguas, o italiano e o inglês, o que não era fácil de encontrar no meio religioso nem no meio laical. Também a participação dos leigos era reduzida por inúmeras questões relacionadas à falta de disponibilidade, falta de formação, falta de recursos econômicos entre outros.
Como citado acima, a Associação funcionou bem por um tempo, mantendo-se ativa entre os portos da Itália e dos Estados Unidos. Porém, a experiência da Sociedade São Rafael terminou precocemente fechando os seus escritórios. Entretanto, a realidade da mobilidade humana continuou e continua até hoje, tampouco pereceu a intenção de Dom João Batista Scalabrini de comprometer os leigos na missão da proteção e do cuidado dos migrantes.
É sabido que o protagonismo do leigo na Igreja nem sempre foi fácil, sequer era considerado, em certos momentos históricos da Igreja. Cabia-lhe o papel de coadjuvante. O que enfatiza ainda mais a abertura de olhar de Dom Scalabrini que sonhava com a participação dos leigos na defesa dos migrantes, mas não apenas como mero colaborador, pois entendeu muito cedo a necessidade de formar os leigos para o seu compromisso cristão. A sua preocupação fundamental com a catequese tinha este viés formativo de todos os leigos, começando desde as crianças. Temos este belo exemplo de valorização da vocação laical por parte de Dom Scalabrini em uma entrevista concedida em 1901: “Entendam, portanto, a nobreza e a grandeza da vossa missão, ó leigos, e assegurem-se de corresponder-lhe dignamente”.
Na Igreja Católica, o papel do leigo ganha importância e renovado vigor a partir Concílio Vaticano II. “Os leigos são os fiéis cristãos que sendo incorporados a Cristo pelo Batismo, constituídos como parte do povo de Deus e feitos participantes do múnus sacerdotal profético e real de Cristo Jesus, exercem sua parte integrante na missão de todo o povo de Deus na Igreja e no mundo” (LG,30). O mesmo documento define a missão dos leigos no mundo. “Por vocação compete a eles e a elas, procurar o Reino de Deus e ordenar as coisas segundo a vontade de Deus. Eles vivem no século, nos ofícios diversos e trabalhos do mundo, mas também nas condições da vida familiar e social. Sendo chamados por Deus e guiados pelo espírito evangélico concorrem para a santificação do mundo, pelo testemunho de sua vida, pela fé, esperança e caridade, manifestando Cristo aos outros. Cabe a eles e a elas ordenar as coisas temporais, para que sejam feitos segundo Cristo e todos cresçam para o louvor do Criador e do Redentor” (LG, 31).
A Congregação dos Missionários de São Carlos, que sempre contou com a colaboração de inúmeros leigos desde a sua fundação, procurou não esquecer a intuição inicial da participação dos leigos, expressada acima com a fundação da Sociedade São Rafael. Houve tentativas da parte da Congregação de oficializar estas participações, colaborações, parcerias com os leigos. Veja-se como exemplo iniciativas surgidas na Califórnia e na Austrália, que foi como uma transposição do modelo da Ação Católica a favor dos migrantes. Em 1992, o Capítulo Geral – e depois nos capítulos seguintes – deu atenção especial aos leigos e ganhou assim nova força com o estabelecimento em todas as províncias, diferentes formas de agregação de leigos scalabrinianos, o que também abriu possibilidade para o voluntariado nas Missões Scalabrinianas. O voluntariado, embora não seja muito conhecido, já é uma realidade em muitos lugares onde a Congregação está presente, com serviços exemplares nas casas de acolhida, centros Stella Maris, nas fronteiras, onde estas pessoas oferecem um tempo da sua vida para servir os migrantes.
No Capítulo Geral, em 1998, foi constituído o Secretariado Geral para a Promoção dos Leigos Scalabrinianos e, em 2005, comemorando 100 anos da partida do Fundador, foi organizado um Congresso Internacional dos leigos Scalabrinianos.
O Movimento Leigo Scalabriniano (MLS) na Região Nossa Senhora Mãe dos Migrantes, que conta com uma longa e consolidada história, continua as suas ações e atividades nos 7 países que conformam a Região. Atualmente são vários grupos e inúmeras pessoas que comungam com o carisma de São João Batista Scalabrini e procuram viver na cotidianidade a sua fé em Jesus e o seu amor pelo próximo migrante.
Há 135 anos, Dom João Batista Scalabrini fundava uma Associação de religiosos e leigos em parceria para servir os migrantes. Que o Santo Fundador inspire os leigos a assumirem o seu batismo a partir do olhar acolhedor de Jesus, que suscite novos voluntários leigos, que renove a missão dos Leigos Scalabrinianos, animados pelo amor de Deus em suas vidas e na vida de suas famílias.