17/06/1904 | Scalabrini deixa a Itália rumo ao Brasil e Argentina

Nesta manhã celebrei a Eucaristia sobre o túmulo do bem-aventurado Paulo Burali, meu glorioso antecessor na cátedra de Placência, unido em espírito aos meus caros filhos que celebram em Placência a sua festa. Experimento um sentimento de feliz e intensa segurança. Parece-me de escutar a sua voz: "Vá para onde Deus o chama, eu o substituirei neste breve período de tempo no cuidado do povo, que já foi meu...

Às 16 estou a bordo. Às 17 saúdo o meu irmão Ângelo e o meu secretário e um tenta esconder mais que o outro a emoção do adeus e nos separamos como homens fortes. Entro na cabina que me foi reservada, a mais bonita, para descansar as coisas e os pensamentos. Às 18 fomos almoçar. É sexta-feira e quase todos fazem jejum. Somos um grupo de pessoas oriundas de várias nações, com muitas diferenças, mas também com muito respeito.

Tenho perto de mim um coronel brasileiro, um certo Alberto Gracia, que irradia alegria quando o convido a falar em português, e assim começo a usar minha pequena bagagem linguística.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

18/06/1904 | Estou a bordo

Passou a noite quente. Às 6:30 celebro a Eucaristia e distribuo a comunhão para algumas pessoas. Mantenho o meu horário de casa: às 10 café, depois uma hora de conversação em português com o senhor Gracia, que me parece sempre mais um homem de vasta cultura. Às 17, almoço...

De saúde estou ótimo: a bênção do Santo Padre e a lembrança da sua sublime simplicidade, da soberana bondade, docemente me comove e me sustenta. Que Deus o conserve por muitos anos, para que possa completar a obra que tanto se propõe, de restaurar todas as coisas em Jesus Cristo! O nosso augusto Pastor, Pio X, me prometeu de me enviar todo o dia uma bênção especial e de recordar-se de mim na Santa Missa. Eu o imito e abençoo de coração a vós, o Pe. Francisco, o Seminário, o Capítulo, os párocos, os coadjutores, as comunidades e todo o meu povo.

Tenho debaixo dos olhos o cordial telegrama que me enviou o Reitor Cardinali e aquele do Padre de Rivergaro, anunciando um tríduo a meu favor à Nossa Senhora das Graças naquele querido santuário. A eles e a todos aqueles que rezam por mim — que Deus retribua e derrame sobre eles todo o bem.

Adeus: rezemos sempre um pelo outro.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

19/06/1904 | Iniciou a missão

É domingo. Pode-se dizer que hoje iniciou a nossa missão. O navio parece um mosteiro. Celebro uma Missa meio pontifical, e falo comovido aos 500 passageiros que também se comovem. O Evangelho se prestava bem. O Mestre divino que evangelizava as multidões a partir da barca e eu a partir da lona que cobria o navio, no meio do mar: o "avance para águas mais profundas" de Jesus Cristo me inspirava bonitas mensagens. Também sem o ser, a gente se torna eloquente. Muitas pessoas se aproximam da mesa sagrada. É um espetáculo do paraíso.

Às 15 horas, catequese para os adultos e para as crianças: inscrevemos aqueles que daqui a 15 dias farão a primeira comunhão e serão crismados. Para uns e outros haverá catequese quotidiana em vista de boa preparação. Se assim não fosse, quem sabe quando poderiam ter esta graça. Vou em frente com segurança, valendo-me das grandes faculdades que me concedeu o nosso glorioso Santo Padre.

Saúde excelente para todos, só o Pe. Pedrazzani pagou o seu tributo ao mar. Estamos no Golfo de Lião e é natural um pouco de movimento do mar. Vede, vos escrevo tudo com sinceridade. Adeus.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

20/06/1904 | Iniciou a missão

O mar continuou revolto toda a noite e ainda continua. Diversas pessoas sofrem do mal costumeiro. Eu, Carlo e os Missionários, ficamos incólumes. Celebro a Santa Missa sem grandes sacudidas, rodeado por um grande número de pessoas. Em todas as Missas, as pessoas comungam. É uma verdadeira consolação. Tudo isto é bonito, sublime. Deus seja louvado!

Sinto verdadeiramente o efeito da bênção do Santo Padre e das orações dos meus queridos placentinos e dos amigos' entre os quais, recordo O eminentíssimo Agliardi, que, abraçando-me dirigiu-me palavras muito carinhosas que não esquecerei nunca.

Estamos próximos às Ilhas Baleares, que ultrapassamos sem nos deter.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

21/06/1904 | Costeando a África

Festa de São Luís. Celebramos a Santa Missa e muitas pessoas comungam. O meu pensamento voa junto aos meus queridos seminaristas e sinto forte a tristeza de não estar com eles. Uno-me em espírito, implorando sobre todos e sobre cada um a abundância das graças do céu.

Continua a catequese das meninas e de suas mães que se reúnem ao redor das Irmãs que edificam a todos com seu comportamento piedoso e reservado; e dos jovens e dos adultos, feita pelos missionários. Estes jovens partiram de forma admirável. Que Deus os conserve sempre assim.

Hoje se levantou um nevoeiro enjoado. Estamos para entrar no famoso estreito de Gibraltar. O navio está quase parado, mantendo a sirene ligada para evitar possíveis e temíveis choques. O mar está movimentado, porém, não borrascoso.

Vamos ver 0 que acontecerá depois, Aquilo que Deus quiser. Passadas algumas horas a neblina desaparece, mas sopra o vento frio e o mar se faz violento. Apareceram as costas da Espanha. Passado o estreito de Gibraltar, costeamos a misteriosa África. Passo horas inteiras olhando, quase pregados os olhos por uma força superior, espreitando com tristeza oculta, aquelas terras outrora tão florescentes; penso na pujança da vida católica dos primeiros séculos do Cristianismo: nas igrejas tão célebres da província de Cartago, da Namíbia, de Bizâncio, nos grandes homens que as tornaram ilustres com o esplendor de suas virtudes apostólicas e pela sua doutrina: Cipriano, Agostinho, Fulgêncio, etc... nos Concílios, com a participação de até 270 bispos africanos; penso naquilo que foram, numa palavra, naquilo que são hoje, e dos lábios sai espontaneamente uma prece: iluminai os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e comovido até às lágrimas, eu pensava e dizia: Oh, por que nós padres não vamos evangelizar aqueles povos e espalhar com o nosso sangue a semente fecunda de cristãos? Adeus, chega assim, abraço-o e o bendigo. Saúde ótima.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

22/06/1904 | O mal do mar não atinge Scalabrini

O vento que se levantou ontem, tornou-se sempre mais frio e forte. Celebro hoje a Santa Missa, mas com dificuldade, invocando os IO mártires crucificados, nossos protetores. A embarcação luta fortemente contra as ondas e quase todos os passageiros sofrem de indisposição. Quatro dos nossos missionários estão doentes e também Carlo foi atingido, como eles, do mesmo mal. Eu, graças aos céus, estou muito bem. Oh! A bênção do Santo Padre e as orações dos meus bons placentinos! Que Deus glorifique o Augusto Pontífice e derrame os seus dons sobre quantos recordam o seu bispo distante, e nunca o esquecem.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

23/06/1904 | Sinto-me rodeado de carinho

O vento frio de ontem continua, mas menos chato. Celebro apesar do enjoado movimento do navio, distribuo a comunhão para várias pessoas. Hoje como ontem, devo resignar-me a ficar na cabina, com exceção das horas do café e do almoço, quando deverei encontrar o bom comandante Magnano, genovês, um verdadeiro lobo do mar; os dois bravos jovens médicos, um de bordo, e outro comissário real, e os outros amigos de ocasião, entre os quais o senhor Gracia, homem equilibrado de mente, de coração, de lábios. Saúde sempre muito boa. Graças a Deus!

Amanhã de manhã estaremos em Tenerife, onde nos deteremos por 3 ou 4 horas. Os que ontem estavam doentes, hoje estão bem. O Carlo está bem.

Dizem que depois de Tenerife teremos um mar sempre tranquilo. Queira Deus!

Saúde e bênção a você, ao padre Francesco, a todos.

Seu

+GIO. BATTISTA, BISPO

Sinto-me rodeado de carinho


 

Caríssimo Pe. Camillo,

Você pode imaginar com quanta alegria lhe escrevo! A embarcação dança e o mar o imita, mas também, além do pobre diário, que deverá corrigir, porque escrito às pressas e sem o reler, uma outra palavra é necessária.

Confesso que gozo de perfeita saúde, como e durmo muito bem e não sofri o menor mal-estar. Todos me rodeiam com intenso e carinhoso respeito e os dias passam rapidamente, quase sem perceber. Se não tivesse o pensamento de estar distante de você, dos amigos de casa, que estão inquietos pela minha partida, de Dom Francesco e de tanta gente boa do clero e dos leigos, poderia dizer em brasileiro: 'Eu estou muito contente porque Deus me deu dias bonitos como estes'. Você me tinha prevenido ao despedir-se sem chorar. Fiquei muito encorajado.

O resto está no Diário.

Muitas saudações a Mons. Vinati, Rossignoli, Dallepiane e a todo o Capítulo; a D. Lodovico, aos seus colegas, ao Seminário, e aos bons párocos que lhe pedem notícias minhas.

Amanhã festejaremos, a bordo, o meu São João Batista e será um dia de alegria espiritual.

O vento não me deixa escrever aquilo que quereria: um monte de coisas e de palavras cheias de alegria.

Adeus! Abençoo a você, ao padre Francesco e a todos.

No beijo santo

Todo seu em J.C. + Gio. Battista, Vesc.

(CARTA A PADRE CAMILIO)


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

24/06/1904 | Chegada a Tenerife (Espanha)

Chegamos a Tenerife pelas 4 horas. Às 5 celebro a Santa Missa, a bordo. À nossa frente está aquela cidadezinha com aproximadamente 20 mil habitantes, plantada aos pés do monte. É a capital da ilha de Santa Cruz, uma das Canárias, com 32 milhas de comprimento e 20 de largura. É uma linda ilha vulcânica, o seu clima é sempre o mesmo em todas as estações, produz toda espécie de frutas e de legumes, sua principal fonte de riqueza. Foi bispo deste grupo de ilhas o célebre teólogo Melchior Cano. De artístico não tem nada de nada.

Partimos às 14, envoltos por um sol esplendoroso, pelo vento frio e pelo mar que está sempre agitado. Recebi todo o tipo de saudações: muitas pessoas quiseram receber a comunhão das minhas mãos. Deus seja louvado!


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

25/06/1904 | Chegada a Tenerife (Espanha)

O mar continua agitado. Assim mesmo, celebro a Santa Missa cem grandes dificuldades. Os dois jovens missionários que adoeceram ontem, estão bem e puderam celebrar. Eu rezo, estudo e estou sempre bem. Carlo também floresce na calma e no doce fazer nada ou quase. No beijo santo.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

26/06/1904 | Companheiro dos Migrantes

Celebro a Missa debaixo do toldo, rodeado pela quase totalidade dos passageiros e distribuo a comunhão a um grupo deles. Faço, com grande alegria, a homilia depois da Missa. Noto que alguns estão comovidos até o pranto, talvez nunca tenham visto um bispo falar-lhes de tão perto. Continua a instrução catequética. Dentro de oito dias será a festa da primeira comunhão para uns vinte jovens, alguns dos quais beiram os 18 anos. Vou conferir também a Crisma a outros tantos. A maioria deles vai embrenhar-se no interior do Brasil e quando poderão encontrar-se com um bispo?

Todos gozamos de ótima saúde. Adeus: saudações carinhosas a todos.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

27/06/1904 | Companheiro dos Migrantes

O mar está tranquilo e todos gozam de boa saúde. A atmosfera, até agora quase fria, vai aquecendo-se à medida que nos aproximamos do Equador. No convés, fica-se muito bem, mas a cabina parece uma cozinha. Para mim tudo corre da melhor maneira possível.

No beijo santo: abençoo e saúdo a todos com grande efusão, podeis imaginar.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

28/06/1904 | Calor do Equador

Estamos perto do Equador e o calor aumenta. O mar está carrancudo e agitado e parte dos passageiros sofrem de enjoo. Eu celebro a Santa Missa e vou em frente alegremente sadio e tranquilo.

Hoje se faz jejum devido à vigília e, bispo, padres, irmãs e diversos bons cristãos, almoçamos às 12 horas, jejuando, claro.

Amanhã festejaremos os santos Apóstolos Pedro e Paulo da melhor maneira possível e distribuirei a santa comunhão. As pessoas se confessam um pouco com todos. Abraço a você e o abençoo, abraço e abençoo o nosso querido Padre Francesco.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

29/06/1904 | Festa de São Pedro e São Paulo

Celebro a Missa confortavelmente, na cobertura, num ambiente muito bem-preparado. As bandeiras de todas as nações foram colocadas ao redor. Entre elas, há uma amarela que ocupa o primeiro lugar. Que seja aquela da Igreja? Penso que sim. O fato me enche a alma de alegria. São os povos que   prestam homenagem a Jesus Cristo, seu rei e soberano. Comovido, celebro a Santa Missa, distribuo a comunhão e falo da solenidade. Quando lembro que Pedro vive no seu sucessor, Pio X, que envia cada dia a mim e a todos uma bênção especial, é algo de emocionante e indescritível. E para mim de modo particular, é aquela paterna bênção, que recebo de joelhos toda manhã na cabina, recordando as inesquecíveis palavras do santo Padre, que infunde em mim uma grande e perfeita segurança, sentimento que não experimentei na outra viagem.

O calor incomoda e suamos de dia e mais ainda de noite. Parece que estamos num forno. Estamos na região das chamadas calmarias equatoriais; outrora era chamada a região das tempestades. Assim quero passar-lhe uma ideia de como estamos. Mas para mim, a saúde está excelente.

Depois de amanhã ultrapassaremos o Equador, indo na direção do inverno. O calor se abrandará. Seja o que Deus quiser.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

30/06/1904 | Viagem entre calmarias, tempestades e brigas

Como ontem, também hoje o tempo está horrível: calmaria equatorial e trombas d'água indescritíveis e contínuas. Estão quase todos adoentados, mas eu, teimo em estar bem. É Deus que, apesar da minha falta de méritos, cuida amorosamente de mim. Estou aqui por sua causa, e por Ele cumprirei o programa que me inspirou, e se for de sua vontade, regressarei pelo dia de Todos os Santos para junto dos meus filhos queridos. Adeus: oremos para que Deus e Senhor nosso se digne conceder a chegada aos navegantes.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

01/07/1904 | Viagem entre calmarias, tempestades e brigas

12 horas. Deixamos neste momento a região das calmarias e das tempestades equatoriais e encontramos um vento frio, que varre as nuvens e a todos nos alegra com os raios amigos do sol. O mar, porém, continua sempre mais violento e agitado e precisamos ter paciência e ficar sentados. Quanto ao resto, tudo está bem!

O vento continua. Celebro a Santa Missa enfrentando as sacudidas do navio, mas sou ajudado, como sempre, por dois dos nossos missionários.

Às 10, um pobre marinheiro teve a triste surpresa de receber na cabeça uma barra de ferro. Foi internado no hospital com a cabeça enfaixada. Fui visitá-lo, confessou-se como pode, pois falava com dificuldade. Há esperança de salvá-lo. Deus queira!

15 horas. Estoura uma briga furiosa entre um italiano e alguns árabes, colocando em sobressalto toda a tripulação. Uns gritam, outros fogem, as mulheres choram, um verdadeiro pandemónio, que, graças a Deus, termina sem consequências maiores. Os dois chefões são colocados na prisão e então tudo volta à tranquilidade habitual.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

02/07/1904 | Viagem entre calmarias, tempestades e brigas

O tempo está feio: sacudidas violentas, inclusive durante a Santa Missa. Um missionário segura firme o cálice, outro o missal e dois o altar. Eu procuro equilibrar-me da melhor forma possível. É a festa da Visitação tão estreitamente ligada ao meu São João Batista e quis celebrar nas minhas intenções e dos meus queridos placentinos. Separados fisicamente, sinto mais viva a necessidade de ficar espiritualmente unido a eles. Daí a emoção que me toma quando rezo pelo meu amado povo.

A saúde está sempre excelente para mim e para todos. Adeus.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

03/07/1904 | Primeiras comunhões e crismas a bordo

Noite horrível: o mar ruge, o vento redobra a sua força; tudo está em desordem. A maior parte dos passageiros fica acordada: eu entro na cabina às 21:30 e às 22 consigo adormecer de qualquer maneira. É mesmo a hora de dizê-lo e de repeti-lo: em tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito. De quando em vez me acordo em sobressalto, mas acabo repousando até às 5. Com muita dificuldade celebro e distribuo a Ia comunhão a uma quinzena ou mais de jovens e adultos. Falando, mantenho-me colado com uma mão ao altar, com a outra a uma grade de ferro, que me aguenta bastante bem.

O vento continua: muitos caem doentes: só dois missionários conseguem celebrar. Eu teimo, apesar desses dissabores, em estar sempre bem.

Você, o padre Francesco e todos rezem ao glorioso Santo Antonino por mim. Adeus.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

04/07/1904 | Primeiras comunhões e crismas a bordo

Festa de Santo Antonino! Que dia! O que devia ser e o que é na realidade. Que tristeza não poder estar entre os meus filhos! Mas, paciência! Deixemos os santos, mesmo os mais queridos, por Deus! Celebro a Santa Missa com muita dificuldade, mas com grande alegria. O tempo continua ruim, o vento sopra forte, o mar brame e o pobre navio luta valentemente contra as ondas. Contudo não há nenhum perigo. Passamos o tempo sentados, movidos como num balanço, mas a minha saúde, graças a Deus está sempre ótima. Saudações e bênçãos a todos.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

05/07/1904 | Primeiras comunhões e crismas a bordo

O tempo melhorou, mas ainda não está bonito. Estamos há dois dias em pleno inverno. Às 17:30 anoitece, e o sol se levanta às 7, mais ou menos, quando aparece. Celebro e administro o Sacramento da Crisma a uns vinte jovens, mas com muito sacrifício. De saúde, muito bem: Deus seja louvado e agradecido.


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

06/07/1904 | Chega ao fim a primeira parte do programa

O nosso amigo vento quer mesmo nos acompanhar até Rio de Janeiro, onde desembarcaremos amanhã de manhã, pelas nove horas. Chegaremos ao porto durante a noite. A primeira parte do programa está felizmente chegando ao fim. Agradeçamos juntos a Deus e a Virgem Imaculada pelo bem que foi feito e pela assistência que me dispensou. Comovido, levanto o coração ao seu trono e digo um grande e cordial muito obrigado, para expressar tantos agradecimentos e tanto louvor. Com tristeza, abandono estes papéis' eles me davam uma momentânea ilusão de estar em Placência, no meu escritório de estudo, em nosso jardim, falando familiarmente com você, com o padre Francesco, sentado por terra, jogando pedrinhas, exatamente como fazem as crianças inocentes. Mas aqui na terra tudo termina, inclusive a inocente ilusão de estar em casa, apesar de estar longe 12 mil quilómetros. Dentro das possibilidades, apressarei mais que puder o meu regresso. Faça-se sempre e em tudo a vontade de Deus. Amém, assim seja, como dizem os brasileiros.

Abraço-o com o reconhecido carinho e abraço também o querido Padre Francesco. Dê saudações cordiais aos Monsenhores Vinati, Rossignoli, Dallepiane, Scrivani, Possi e a todos os Cónegos em meu nome. Não esqueça os meus Agareni. Aos bons e responsáveis Corvi, Busi, a todos os outros cordiais saudações. Ao reitor do Seminário, aos professores, aos clérigos, desejo que sejam abençoados e muitas coisas bonitas. Não esqueça a Guerra, Marchesi, Volpelandi, Tedeschi e a quantos pedem notícias minhas.

Mons. Roncovieri, não se esqueça de mim quando celebra em Santo Antonino.

Gostaria continuar, mas o vento é mais forte que eu. Portanto, adeus, no beijo santo. Oremos uns pelos outros. Adeus.

Todo seu em Cristo Jesus

+GIO. BASTTISTA VESC. DE PLACÊNCIA


* Capítulo II do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

07/07/1904 | Chegada ao Rio de Janeiro

07/07/1904, Quinta-feira: Chegada ao Rio de Janeiro.

Uma linda cidade e uma acolhida cordial
Estimado D. Camillo,
Desembarquei para admirar a belíssima cidade do Rio de Janeiro, com seu grande porto, único no mundo. Imaginem um braço de mar cheio de pequenas ilhas e cercado por três lados de montes mais ou menos altos, e mesmo agora, no coração do inverno, todos verdejantes, tomados por casas e palácios e assim terão uma pálida idéia da realidade. O Arcebispo do Rio de Janeiro recebeu-me com a cordialidade de um velho amigo e quis acompanhar-me quando retornei ao navio. Pareceu-me um homem talentoso e de boas idéias. É muito amado e estimado no Rio. Ele, porém, tem saudade de sua São Paulo, onde foi bispo por diversos anos e onde realizou tantas coisas bonitas.
Tínhamos combinado de tomar o trem daqui para São Paulo, porém, são 16 horas de viagem desagradável, por isso nos aconselharam a seguir de navio até Santos e depois alcançar São Paulo com três horas de trem. Eu aceitei a sugestão amiga, por isso é que me encontro ainda aqui. Partindo do Rio às 18
horas de hoje, estaremos em Santos amanhã de manhã às 7 horas, e às 11 horas tomarei o trem e às 14 chegarei em São Paulo. De lá lhe escreverei.
Os jornais do Rio, sempre iguais por tudo, há dois dias anunciavam que o "Cida-de de Gênova" chegaria no dia 12, porém chegou hoje cedo. O fato atrapalhou os planos de todos. Não tem problema, o importante é que todos estamos bem e felizes e que, com a ajuda de Deus, poderemos fazer algo de bom. Falei a este Arcebispo da necessidade da assistência ao porto e de uma igreja italiana na cidade e ele se mostroumuito favorável. Escrever-lhe-ei de São Paulo e, se Deus quiser, conseguiremos algo. Quem começa bem, já fez a metade da obra.
Saudações a todos: a D. Francesco, milhares de cordiais saudações. A D.
Faustino saudações carinhosas, mas também o pedido para que termine, até o meu retorno, a sistematização do arquivo.
A M. Pinazzi todas as bênçãos.
Adeus. Abraço-o carinhosamente: ore por mim.
Todo seu

+GIO.BATTISTA, BISPO DE PLACÊNCIA

(CARTA A PADRE CAMILLO, RIO DE JANEIRO, 7/7/1904, 18 HORAS)


* Capítulo III do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

09/07/1904 | Chegada a São Paulo – Discurso de agradecimento pela acolhida

09/07/1904, Sábado: Chegada a São Paulo – Discurso de agradecimento pela acolhida.

(Scalabrini saúda, em português, as autoridades ao chegar em S. Paulo)

"A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco!" É a antiga saudação apostólica, é a saudação que eu vos trago, meus queridos irmãos.

A vossa amável acolhida, enche-me o coração de viva alegria, pois não é à minha humilde pessoa que dirigis as vossas homenagens, mas a Jesus Cristo, o Redentor de nossas almas, a quem o bispo representa onde quer que esteja, até mesmo fora da sua Diocese. Agradecido pois, agradecido do fundo da minha alma, e agradecido sobretudo ao Excelentíssimo Senhor Bispo, que com suas virtudes honra a Igreja.

Não sei como expressar-vos, ó meus irmãos, a emoção que senti ao desembarcar nesse vosso país. Aqui, se Deus vos ajudar, achar-se-á até certo ponto o porvir da humanidade e da Igreja. Aquele misterioso vínculo que une os corações dos povos de uma raça, eu sinto-o aqui, no vosso Brasil, aqui onde o sangue latino corre nas vossas veias, aqui onde virão as várias nações para povoar estes imensos territórios, e assim o povo brasileiro será um dos primeiros povos do mundo. Mas para isso se requer união dos corações e esta a encontrareis na fé dos vossos pais, na fé católica.

A fé, fortaleza dos mártires, luz dos humildes, sabedoria dos doutores, unção dos sacerdotes, candor das virgens, consoladora dos aflitos, mestra universal, contínua aqui com maternal carinho a sua missão inovadora e fará sem dúvida, ditoso o vosso grande país.

Eis o meu voto, o meu ardente desejo.

(Saudação de Scalabrini, S. Paulo, 9/7/1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

10/07/1904 | Visita ao Bispo para retribuir a acolhida

10/07/1904, Domingo:

“Ontem (domingo 10/07/04) muitos se reuniram aqui (no Orfanato Cristóvão Colombo - Ipiranga) para agradecer a santa casa” – Celebração de ação de graças com Dom Scalabrini.

Visita ao Bispo Dom José Camargo de Barros, Bispo Diocesano de São Paulo, para retribuir a acolhida.

11/07/1904 | Scalabrini, hospedado no Orfanato Cristóvão Colombo, escreve uma carta ao seu secretário Pe. Camilo Mangot

11/07/1904, Segunda-feira: Dom Scalabrini, hospedado no Orfanato Cristóvão Colombo, escreve uma carta ao seu secretário Pe. Camilo Mangot.

Meu estimado, padre Camillo,

Olhando os dois quadros superpostos, você vai descobrir de onde estou lhe escrevendo. Cheguei a São Paulo no dia 9, sábado passado, às 11:30. A banda dos nossos órfãos veio ao meu encontro 5 milhas antes da entrada em São Paulo e subiu ao trem que tinha sido colocado gratuitamente à minha disposiçāo. Na estação estavam: a banda do Instituto Salesiano, o bispo, o Capítulo, os párocos, os salesianos, os capuchinhos, os beneditinos, os agostinianos, as autoridades civis e grande multidão de povo: uma acolhida solene. O encontro com o bispo, um digno prelado, chegado a São Paulo há apenas dois meses, foi cordialismo, superando qualquer expectativa. Trajava o hábito de gala como se tivesse que receber o papa. Ficando a nossa casa fora da cidade, fomos ao mosteiro de São Bento, onde almoçamos, o bispo, eu, o Cônsul geral e as demais autoridades. Às 16 horas, em carroça especial, fui trazido para cá. Aqui também se repetiram os rojões, cantos e fogos de artifício, os arcos verdejantes iluminados, debaixo dos quais tinha que passar. Tudo muito bonito.

Ontem fui à cidade para retribuir a visita ao senhor bispo, com quem combinamos tantas e belas coisas a favor dos migrantes. Para uma população de pouco mais de dois milhões de habitantes, mais da metade é italiana. A Diocese compreende todo o Estado de São Paulo, com a extensão duas vezes e meia a Itália e com capacidade de acolher 100 milhões de pessoas. É um país esplêndido, mesmo nesta época em que estamos no coração do inverno, tudo está verdejante e florido. Que grandiosidade de árvores! Que esplendor de flores de todo o tipo e cor! Dir-se-ia, numa palavra, que o paraíso terrestre devia e podia ser este.

Os nossos ótimos missionários gozam aqui de grande estima e veneração por parte de todas as classes, do clero e do laicado. Os dois Orfanatos são verdadeiramente dignos de admiração. Estes 260 órfãos edificam pela bondade, piedade e educação. Ontem eles fizeram uma singela apresentação. Uma menina de 12 anos narrou um conto. Tinha visto morrer, primeiro a mãe e depois o pai; lembrou, comovida, as suas lágrimas de outrora, a miséria que se abatera sobre ela que tinha 9 anos e sobre um irmãozinho de dois. Tinha passado fome e a amargura de serem enxotados e por fim o encontro no caminho, com o Pe. Marco, que tomou no colo o menino e deu a mão para ela e os levou ao Orfanato, a sua gratidão, etc... mas a menina não conseguiu terminar. Desatou, num pranto tão profundo que a todos nos obrigou a enxugar os olhos molhados de lágrimas.

Destas duas casas já saíram 810 jovens educados e colocados numa profissão. Ontem muitos se reuniram aqui para agradecer a santa casa, como a chamam eles, que os salvou do naufrágio espiritual, religioso e moral. Deveras merece este título. Os Missionários seguem a Regra da casa mãe e tudo vai para frente para minha verdadeira satisfação e grande consolo.

Hoje conferi as contas: foram gastos nos dois grandes prédios 980 mil liras e não há um centavo de dívida. É um milagre da bondosa Providência de Deus. De fato, sustentar 300 pessoas, incluindo missionários, Irmãs, professores de arte e de oficinas sem afundar em dívidas, não é uma coisa maravilhosa? Deus seja mil vezes louvado!

A minha saúde está uma flor e sinto-me com tanta saúde como há muito tempo não tinha, ou, pelo menos não sabia ter. Também Carlo está muito bem e não pára de louvar por aquilo que pode ver nesta casa do Senhor.

Porém, devemos chegar às saudações porque a carta está chegando ao fim.

Saúda a todos, ao Capítulo, aos Agareni e entre os primeiros ao Pe. Francesco e ao Pe. Domenico.

Reze e faça rezar para que com paz, saúde e alegria possa voltar às minhas ocupações. Adeus. No ósculo santo, rezemos diariamente uns pelos outros.

Saudações cordiais ao Carlo e a todos.

Seu

+GIO. BASTTISTA,  V. DE PLACÊNCIA

(CARTA DE SCALABRINI AO PADRE CAMILLO - SÃO PAULO, 11/7/1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

12/07/1904 | Dom José de Camargo Barros, bispo de São Paulo visita Scalabrini no Orfanato Cristóvão Colombo

12/07/1904, Terça-feira: Conforme os jornais, Dom Scalabrini recebe, às 3 horas da tarde, “sua Excelência Rev.ma, Dom José de Camargo Barros, estimado bispo de São Paulo”. No Orfanato Cristóvão Colombo, no Ipiranga, para retribuir a visita à Sua Excelência Dom Scalabrini, bispo de Placência.

Ontem às 3 horas da tarde sua Excelência Rev.ma, Dom José de Camargo Barros, estimado bispo de São Paulo, foi ao Orfanato Cristóvão Colombo do Ipiranga para retribuir a visita à Sua Excelência Dom Scalabrini, bispo de Placência.

Recebido pelo Ex.mo e pelos reverendos padres Missionários de São Carlos com toda a solenidade de estilo, os dois eminentes prelados ficaram por mais de uma hora num encontro reservado, depois do qual manifestaram as respectivas satisfações e os agradecimentos.

Foram na ocasião tiradas as fotografias das duas seções do Orfanato com a presença em ambas dos dois bispos.

Sua Excelência Dom José mostrou-se comovido e satisfeito dos atos de estima e de alta consideração de que foi alvo a sua estimada pessoa pelo velho prelado italiano, e este por sua parte, manifestou toda a gratidão pelas cortesias que recebeu desde a sua chegada em São Paulo, por parte do clero e das demais altas pessoas católicas da sociedade paulistana. Disse que esta grande Diocese está bem protegida nas mãos de Dom José de Camargo que, certamente dará à Diocese aquele progresso católico que merece.


Fonte: Correio Paulistano, publicado em 13/7/1904.

14/07/1904 | Decisão de acolher a Paróquia São Bernardo

14/07/04, Quinta-feira:  Decisão de acolher a Paróquia São Bernardo.

Caríssimo D. Camillo,

Ainda duas palavras para explicar e completar as notícias que já lhe enviei. Aqui estamos no coração do inverno, mas eu não sinto nem necessidade e nem desejo de fogo. De manhã, antes do levantar do sol e à noite depois do por do sol, temos o nosso tempo de maio; durante o dia aquele de junho, quando faz calor. O sol aquece como em julho e agosto na Itália. Ontem experimentei o calor subindo a colina da Vila Prudente, onde se levanta o novo orfanato, que vamos inaugurar dentro do mês. É uma coisa magnífica e que traz orgulho à nossa Congregação.

Acenei numa outra carta que estava combinando coisas muito úteis com este piedoso e dinâmico bispo. Eis quanto combinamos de fazer:

a) Recolher os surdos-mudos, meninos e meninas, iniciando assim esta nova missão

Uma vez lida esta minha carta, irá à superiora geral das Apóstolas, irmã Marcelina e lhe dirá em meu nome que tenha disponíveis duas irmãs, que foram preparadas pela irmã Cândida, para vir aqui ao primeiro sinal. As despesas, claro, ficarão a cargo desta casa. É esta uma instituição de grande importância, verdadeiramente nova para estes Estados tão vastos, que fará orgulho aos nossos missionários e será uma lembrança perene da minha vinda aqui. Tome a peito o projeto e fale logo com a superiora. O bispo aceitou a proposta com verdadeiro entusiasmo e entendeu logo o alcance moral.

Amanhã falarei ao Governador do Estado e espero dele alguma ajuda. Por enquanto vamos iniciar no local que será deixado pelas órfãs e pelas irmãs que irão para Vila Prudente. O bispo me prometeu apoio moral e também material, na medida do possível. Se conseguir apenas esta obra de recupera-ção, poderei considerar-me satisfeito pela minha longa viagem.

b) Conceder aos Missionários a paróquia de São Bernardo, onde estão localizados os nossos estabelecimentos. Ela conta com quase 40 mil pessoas e se estende de São Paulo a Santos, isto é, até o mar, com 80 milhas de comprimento. Foi um pensamento gentil do bispo entregá-la aos nossos Missionários, por quem nutre grande estima e afeto, e garantir também cinco ou seis mil liras anuais de renda e levar em frente os gravíssimos compromissos. A paróquia é quase toda composta de italianos.

c) Abrir, tão logo seja possível, duas residências no interior do Estado para assistência dos italianos que trabalham nas fazendas. Destas, mais de duas mil já foram visitadas, com muito sacrifício, pelos nossos Missionários do Orfanato.

Neste Estado e Diocese moram um milhão e duzentos mil italianos. Estruturar bem as coisas é muito importante, porque se encontra aqui o maior grupo italiano da América do Sul.

Se na casa mãe houvesse padres preparados, poderiam partir com as irmãs. Diga ao jovem padre Morelli que aqui as coisas são apropriadas para ele e que poderia curar-se perfeitamente da sua doença, como a curou o padre Faustino.

Eu estou sempre muito bem e desde o dia da partida até hoje não tive nenhum daqueles pequenos mal-estares tão comuns e tão freqüentes. É Deus que escuta as orações de tanta gente boa. Também Carlo está bem.

Vivo em meio à homenagens. Estes brasileiros são humildes, gentis, agradecidos, caridosos e sustentam com cuidado as nossas obras. Aqui há 300 pessoas para sustentar e são mantidas pela caridade deles. Deus os abençoe e envie prosperidade.

Esperava encontrar uma carta sua aqui, mas fico alegre por sentir-me mais diligente de você e do Padre Francesco. Abraço os dois e os abenção.

Saudações cordiais a todos. Oremos uns pelos outros.

Vosso em J.C.

+GIO. BASTTISTA VESC. DE PLACÊNCIA

(CARTA DE SCALABRINI AO PADRE CAMILLO - SÃO PAULO, 14/7/1904


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

15/07/1904 | Scalabrini visita o Governador do Estado

15/07/04, Sexta-feira:  

“A visita ao Governador do Estado foi cordialíssima e Sua Excelência foi recebido com as honras de estilo e, sintetizando, como sabe bem fazer Dom Scalabrini, falaram sobre muitos pontos, bem como da nova fundação para os surdos-mudos para a qual o governador se mostrou muito favorável: a língua usada foi o francês clássico: satisfatório dos dois lados” (Pe. Faustino).


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

22/07/1904 | Scalabrini escreve ao Papa

22/07/04, Sexta-feira: Escreve ao Papa.

Uma comissão Episcopal para os Migrantes

P.B.

Queira, lhe suplico, desculpar na sua imensa bondade, a ousadia que tomo de endereçar-lhe esta minha carta e de usar deste papel, o melhor que encontrei nesta casa da Congregação dos meus Missionários e que ressela uma obra de imensa caridade realizada por eles. Sinto forte o desejo de agradecê-lo, prostrado de joelho ante a sua augusta Pessoa, pela bênção com a qual se digna acompanhar-me na longa e da qual experimentei os melhores reflexos.

Graças a Deus, nada sofri durante os 27 dias passados no navio mesmo que o mar não tenha sido sempre amigo. Todos os dias celebrei a Santa Missa, com confissões, distribuía a comunhão, fazia a pregação, ensinava-se o catecismo, tanto que um senhor brasileiro dizia ao desembarcar: passamos três semanas num mosteiro!

Aqui fui acolhido esplendidamente pelo bispo, homem digno do posto que ocupa, pelo Capítulo, pelo clero, e muita gente italiana acorreu, tanto que mexeu um pouco com os nervos do partido comunista cosmopolita, por aqui numeroso e forte.

Preguei o Retiro espiritual aos Missionários e às Irmãs e comecei a visitar as colónias italianas agrupadas nas chamadas fazendas. O encontro comigo é algo impossível de descrever. Quando me veem de longe gritam vivas, mas quando chego no meio deles, todos choram. Mas o momento mais solene e comovente é quando lhes falo de Sua Santidade e dou a Sua Bênção Apostólica. Um choro muito doce, fruto de viva e intensa alegria. Ontem encontrei uma colónia onde quase todos eram provenientes de Treviso. Que beleza ouvi-los falar do seu Santo Padre, que honra inocente de tê-la visto, falado com Sua Santidade, por terem se confessado pelo seu papa, quando era pároco, canónico, vigário etc... O dono da fazenda que estava presente, chorava também ele como os outros e me disse que aquele dia era um dos mais lindos de sua vida.

Continuarei assim mais 08 dias e depois viajarei para outros estados, do Espírito Santo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, visitando as casas da Congregação e na medida do possível as colónias dos nossos italianos.

Parto de São Paulo muito contente por ter acertado com este ótimo prelado, diversas coisas que se tornarão de grande vantagem para as almas dos nossos pobres compatriotas, aqui, mais que na Itália, sedentos da palavra de Deus e dos sacramentos. Existem nesta Diocese mais de 2000 fazendas que os missionários de São Carlos percorrem incansavelmente, como verdadeiros apóstolos, com a maior frequência possível, mas não mais de uma vez por ano, apesar de serem doze. Será necessário aumentar o número, também para prover melhor a assistência destas importantes obras de caridade, criadas por eles há uma dezena de anos. Os órfãos italianos acabavam todos de maneira triste. Os primeiros missionários enviados aqui, logo perceberam a necessidade de um orfanato italiano, com coragem colocaram mãos à obra, e Deus veio em seu socorro. São já 802 os jovens recolhidos, instruídos e encaminhados com um diploma na mão; e são 242 os meninos que estão aqui, divididos em dois grandes prédios, bem localizados fora da cidade e estudam, rezam, aprendem uma profissão aqui em casa e se preparam para ser bons cristãos. Vivem das esmolas que os missionários recolhem nas suas contínuas excursões apostólicas. Aquilo que mais me surpreende é que não têm dívidas de nenhuma espécie. É Deus quem vê e provê.

E agora me permito, P.B., de apresentar-lhe uma minha ideia. Sua Santidade se propôs um sublime e fecundo programa: restaurar tudo em Cristo: Pois bem, a Igreja que com a admirável Instituição para a Evangelização dos Povos, investe tanto dinheiro e emprega tantos padres para a difusão da fé entre os infiéis, não fará algo semelhante para conservar a fé dos emigrantes? Eu falo dos migrantes de todas as nações e de todas as regiões católicas: italianos, alemães, espanhóis, portugueses, canadenses, etc... Uma Comissão especial que se dedicasse a esta problemática, a maior do nosso século, redundaria em honra para a Santa Sé Apostólica, a qual como tenra mãe aproximaria os povos, e realizaria um bem imenso. Lá nos Estados Unidos do Norte, as perdas do Catolicismo se contam aos milhares, certamente mais numerosas que as conversões dos infiéis feitas pelas nossas missões em três séculos, e apesar das aparências, ainda continuam. O protestantismo trabalha lá e também aqui para perverter as pessoas. Agora uma Comissão que se relacionasse com os bispos, dos lugares donde partem, e para onde se dirigem os emigrantes católicos, e se fosse preciso, também com os respectivos governos; que estudasse em profundidade, a árdua e complexa questão da emigração, servindo-se para isso de estudos antigos e modernos e em nome do Santo Padre orientasse as providências cabíveis, seria uma bênção para o mundo e seria suficiente para tornar glorioso o seu Pontificado.

Perdoe, P.B., a minha audácia, audácia de um filho devotado e agradecido que daria pelo Senhor e pela sua causa, o sangue e a vida, e digne-se continuar enviando a sua santa bênção, que recebo todos os dias de joelho com profunda emoção, para que possa completar, com a ajuda divina as obras pelas quais vim, e assim pela solenidade da festa dos Santos encontrar-me no meio do meu povo caríssimo.

Beijo-lhe, Pai Devoto, os pés e com os sentimentos da mais viva, antiga e sentida veneração, me glorio de confirmar-me

Da S.V.

Humilde, devoto, agradecido e afetuoso filho

+G.B.V.

(CARTA DE SCALABRINI AO PAPA PIO X— SÃO PAULO, 22/07/ 1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

23/07/1904 | Visita ao Hospital Maior, visita aos Salesianos

23/07/1904, Sábado: Visita ao hospital maior, onde se encontram mais de 400 doentes e percorrendo todos os pavilhões das várias repartições de medicina, clínica, tuberculose, oftalm. etc...  Visita ao santuário do Sagrado Coração de Maria, residência dos Missionários Espanhóis onde Sua Excelência teve a ocasião de visitar a grande igreja.

24/07/1904 | Visita as Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus

24/07/1904, Domingo: Carta do Pe. Faustino.

Bondade, disciplina e ciência, ensina-me, Senhor!

Caríssimo monsenhor!

Estou certo que Sua Reverendíssima me perdoará se ouso importuná-lo com a presente, mas isto me sugere o amor recíproco que nos une à sua Excelência, o nosso venerável bispo, que nestes dias nos honra e consola com a sua presença, enquanto estando longe, deixa um vazio no coração dos seus admiradores, e em você em primeiro lugar, que o tem por um pai muito querido.

Fique portanto tranquilo, aliás, alegre, ilustríssimo monsenhor, porque sua Excelência o senhor bispo goza de ótima saúde de tal modo que causa admiração não só a nós seus filhos, mas também a todos os que têm a honra de se aproximar dele.

Sobre a acolhida por ocasião de sua chegada a São Paulo e de dados sobre nossas obras, a esta altura, creio que esteja já informado e por isso acho melhor contar outros particulares que certamente apreciará.

Dias atrás foi visitar o Seminário Episcopal, foi recebido com extraordinária gentileza tanto pelo bispo desta insigne Diocese, Dom José Camargo Barros, como pelo corpo docente, pelos clérigos e pelos estudantes da escola. Depois do canto do 'Bom Pastor' e da visita ao Santíssimo Sacramento, na sala de honra, um clérigo leu uma poesia em língua portuguesa à sua Excelência, fazendo alusão à sua preciosa visita; outro falou em nome dos colegas sobre a honra que sentem com a sua presença e sobre a grande estima e veneração que têm por ele os bispos e o clero brasileiro.

Sua Excelência se levantou e com admirável franqueza que possui como algo de prodigioso, depois de uma breve introdução cheia de nobres sentimentos, explicou as três palavras do salmo: Bondade, Disciplina e Ciência ensina-me, Senhor, em língua portuguesa, quase perfeita, com frases tão apropriadas que o bispo diocesano disse ao nosso venerando superior: "Vossa Excelência fez o discurso tão cheio de sabedoria e tão admirável pelo acerto de estilo e da língua que fiquei maravilhado; os professores diziam, por sua vez, aquilo que um dia os hebreus ouvindo os apóstolos não só na sua língua, mas nas línguas dos presentes em Jerusalém: mas ele não é italiano? E como é que fala tão corretamente a nossa língua?" Foi o que falou o bispo de SP, confirmando as opiniões cheias de santidade e de profunda sabedoria apostólica. A visita deixou lembranças queridas e profundas tanto que o bispo diocesano pediu a todos os clérigos de registrar o memorável dia no seu diário.

À tarde, o almoço foi oferecido pelo bispo local no bispado, com a presença do venerando Capítulo. Foram feitos diversos brindes sempre com sentimentos de mútua estima e veneração. Depois seguiu uma gostosa palestra na sala magna, onde os presentes tiveram ocasião de conhecer em parte as qualidades da inteligência e do coração de Sua Excelência o nosso bispo muito amado.

A visita ao Governador do Estado foi cordialíssima e Sua Excelência foi recebido com as honras de estilo e, sintetizando, como sabe bem fazer Dom Scalabrini, falaram sobre muitos pontos, bem como da nova fundação para os surdos-mudos para a qual o governador se mostrou muito favorável: a língua usada foi o francês clássico: satisfatório dos dois lados.

Ontem fomos visitar o hospital maior desta cidade onde se encontram mais de 400 doentes e percorrendo todos os pavilhões das várias repartições de medicina, clínica, tuberculose, oftalm. etc... Sua Excelência teve uma palavra de conforto para todos os doentes, grande parte deles são italianos e deixou a todos a sua paterna bênção e sua querida saudação.

As Irmãs de São José, que são francesas, ficaram muito agradecidas pela visita do Prelado.

Do hospital fomos ao santuário do Sagrado Coração de Maria, residência dos Missionários Espanhóis onde Sua Excelência teve a ocasião de visitar a grande igreja que estão ampliando para acolher no início de setembro 60 sacerdotes da primeira turma que virão do interior para o Santo Retiro, chamados pelo zelo deste bispo, Dom Camargo.

Também nós e as irmãs tivemos a sorte de ouvir a palavra calma e suave, mas ao mesmo tempo séria e cheia de santidade do nosso muito amado Pai no santo retiro de quatro dias. Ele terminou pedindo que fôssemos progressistas, mas no sentido espiritual e concluiu dando a Bênção papal; quando teremos, monsenhor, outra semelhante prerrogativa?

Hoje vamos visitar pela segunda vez as Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, filhas da intrépida Cabrini de Codogno, que poucos meses faz abriram um educandário e onde fazem tanto bem; está convidado também para a santa Missa, tendo, com elas, como diz sua Excelência, quase uma dívida que não pôde pagar no Norte com aquela Instituição.

Amanhã participará das Vésperas neste célebre Mosteiro dos Beneditinos; na próxima semana visitará algumas fazendas do interior do Estad0 e depois de um breve descanso no retorno, partirá para o Estado do Espírito Santo onde é esperado ansiosamente.

No Paraná, no Rio Grande, ardem de desejo de tê-lo com eles e aqui estão os telegramas e as cartas dos bispos e dos coirmãos.

Agora termino assegurando à vossa reverendíssima que sua Excelência vai ficando jovem e quereria no seu zelo apostólico, abraçar todo o mundo como o grande apóstolo.

Que Jesus bendito o conserve entre nós por muitos anos!

Com a mais profunda estima e consideração, também em nome de Sua Excelência e do bom Carlino receba as mais respeitosas saudações da minha parte e da parte de todos os Missionários, padres e irmãs, professores e órfãos. Com estima, termino.

De vossa ilustríssima e reverendíssima

Humilde servo

Padre Faustino Consoni

Mis. de São Carlos

(CARTA DO PE. FAUSTINO A PADRE CAMILLO, 24/7/ 1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

25/07/1904 | Visita o Mosteiro de São Bento e o Colégio São Bento

25/07/1904, Segunda-feira: Com os monges do mosteiro São Bento, Com os jovens do Colégio São Bento.

Com os monges do mosteiro São Bento

Poderia parecer-vos estranho, irmãos ilustríssimos, pela cultura que tendes, se nesta solene comemoração de Gregório Magno não ressoasse por alguns instantes em vossos ouvidos a língua que ele usava.

Sou italiano, como sabeis, gerado, por assim dizer, no mesmo sangue que gerou esse luminar da Igreja Católica, a ninguém inferior; nem lhes digo quão querida é para mim a oportunidade, proporcionada pela origem comum, de falar a língua romana, pois temo que se usasse a vossa, cometeria algum erro.

As coisas que acabo de ouvir, que pude ver com meus próprios olhos nos dias passados, que escutei com toda atenção da minha gente que as narrava, esta reunião de sacerdotes de todo grau e dignidade, e muitas coisas mais, me enchem de grande alegria, pois depõem magnificamente em favor do bem e da prosperidade da Igreja universal e desta vastíssima diocese.

A ti, venerável coirmão, seja concedido tudo o que há de agradável, de Próspero e de alegre; o zelo ardente do grande Pontífice esteja sempre arraigado em teu nobilíssimo espírito, como está agora; mantenham-se e floresçam por muitos anos a vida e as forças físicas necessárias para o grande ministério.

Para a santíssima Ordem beneditina, tão benemérita da fé e dos povos de todas as partes, cuja glória e exaltação por parte de tantos alunos perdurarão sempre, brilhem sem cessar a paz e a fama de santidade.

Tudo o que há de virtude, de piedade, de boa reputação, de dignidade e de Proveito para a salvação de todos, seja vosso, ó irmãos, e tome conta do vosso coração sacerdotal.

Finalmente, elevo as mais ardentes preces a Deus para que a celebração desta solenidade, especialmente em se tratando do grande Pontífice Gregório, faça com que a paz, a unidade dos projetos, a concórdia, a obediência ao supremo Pastor, digno sucessor de Gregório, ao próprio bispo nas diferentes partes do mundo, sejam cultivadas, propagadas, mantidas sempre com firmeza, de modo que também os detratores da nossa fé, que infelizmente, mas para o fortalecimento dos bons, não faltam em nenhum lugar, sejam forçados a exclamar: Vede como se amam. Entre eles existe um só coração, uma só alma. Assim seja, assim seja!

(DISCURSO DE SCALABRINI AOS BENEDITINOS, EM LATIM

MOSTEIRO DE SÃO BENTO, 25/7/ 1904)

 

 

Com os jovens do Colégio São Bento

A sua amável acolhida encheu a minha alma de grande alegria. Obrigado, obrigado de todo o coração a todos os veneráveis padres e sobretudo(...)

Sinto grande alegria toda a vez que posso encontrar-me com a juventude, que é a esperança da Igreja e da Pátria.

Encarregado, desde os primeiros anos do meu sacerdócio trabalhei na formação e na animação do Seminário de minha Diocese natal. A presença dos jovens evoca para mim as recordações mais suaves, desperta no meu coração os sentimentos mais afáveis, me consola, me alegra, me exalta, numa palavra, renova a minha juventude.

Mas o meu conforto e a minha alegria aumentam hoje, aqui no meio de vocês, filhos desta terra hospitaleira e gentil, de quem vocês são a parte mais querida, as flores mais delicadas e meigas.

Antes de chegar aqui, tive a honra de ser recebido numa longa audiência pelo nosso muito amado Santo Padre Pio X, o qual, entre outras coisas, me disse com um tom paterno: Bondade, Disciplina e Ciência, ensina-me, Senhor.

Prometi para ele e agora cumpro a palavra. Isto sirva para que vocês se recordem do Supremo Pontífice e deste pobre bispo que lhes fala.

Bondade: Eis a primeira coisa que devem adquirir, desde já, a mais importante, a mais necessária, a base e o fundamento de tudo. Não se trata e não se fala de uma bondade costumeira que significa conservar a graça santificante, ou de estar longe dos pecados graves, mas de uma bondade positiva, que significa ter a virtude, ou pelo menos possuir a vontade de adquiri-la e de vivê-la, evitando também, os pecados menores voluntários.

Para poder ajudar os outros, temos que ser semelhantes a Deus, único ser bom por excelência: somente Deus é bom. A missão do sacerdote é a mesma missão de Jesus Cristo, que foi enviado ao mundo para a glória de Deus e a salvação dos homens. E vocês também um dia trabalharão para a glória de Deus e para a salvação das pessoas, se a vida de vocês for boa e santa, da santidade de Deus.

Disciplina: Vocês já entendem o que significa disciplina. consiste principalmente na observância das normas e na obediência a seus superiores. Santo Tomás diz que o verdadeiro cumpridor da disciplina é aquele que submete a parte inferior de si à parte superior, e a sua vontade àqueles a quem Deus colocou como guias e mestres.

Com razão o Salmista coloca a disciplina entre a bondade e a sabedON' porque é como o leme das duas. Sem a disciplina, não esperem de ser bons e válidos, úteis a vocês e aos outros.

A disciplina, eu sei, é um freio, um jugo, um peso; mas um freio saudável, um jugo suave, um peso leve. Acreditem em mim: felizes de vocês se o carregarem desde a juventude. Observem, mantenham a disciplina, caros filhos, não por obrigação, mas como Deus quer, com serena e suave alegria de espírito, na íntima convicção de estar cumprindo a vontade de Deus, e Deus estará sempre com vocês.

Sabedoria: Mas não são suficientes a bondade e a disciplina, é necessária também a sabedoria. Bondade, disciplina, e ciência, ensina-me, Senhor. A sabedoria, diz São Francisco de Sales, é para um sacerdote o oitavo sacramento. Um sacerdote ignorante, é um verdadeiro desastre para a Igreja. A sabedoria é exigida pelos Livros Sagrados. Se para os sacerdotes da antiga lei a sabedoria era tão indispensável, muito mais o será para os sacerdotes da nova lei, chamados a ser, como pede o Divino Mestre, o sal da terra e a luz do mundo. E vocês sabem muito bem que, ninguém dá o que não tem. Como pode ser um bom tempero aquilo que não tem sabor, e como pode iluminar os outros quem não tem luz?Aprofundem desde já, com muito capricho e amor os estudos, desenvolvam os talentos que o Senhor lhes deu, e com a ajuda divina, desejo do fundo do coração que procurem ser sacerdotes segundo o coração de Deus, enfeite da religião, consolo do seu amado bispo, honra de sua pátria, e úteis para as almas.

E agora uma notícia alegre: o Sumo Pontífice Pio X se dignou de me encarregar para trazer-lhes a sua bênção. Vocês, meus caros jovens, recebam esta bênção com a reverência e o reconhecimento que se deve a este Padre; e lembrem-se sempre de mim em suas orações.

Que as palavras humildes do Evangelista, como gotas de orvalho refrescante e fecundo, façam desabrochar e florescer sempre mais o amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, produzindo abundantes e bons frutos de vida, para a glória de Deus, honra da nossa santa religião, Católica, Apostólica e Romana, para o bem das almas e a prosperidade da sua cidade.

(DISCURSO DE SCAIABRINI A 420 JOVENS DO COLÉGIO SÃO BENTO, 25/7/ 1904)

 

Deixando o Mosteiro São Bento

Faz três dias que estou aqui com os padres beneditinos, celebrando a festa de São Gregório Magno, que encerrei eu mesmo presidindo o ofício das Vésperas etc... e aqui recebo a vossa tão esperada carta do 30 de junho.

Confirmo as notícias sobre a minha boa saúde e verdadeiramente sinto o efeito da bênção diária do amado e venerado Pontífice Pio X e das orações dos meus amados placentinos que, mesmo de longe, sinto de amá-los profundamente, de uma maneira que não dá para descrever.

Envio a todos, agradecimentos, saudações e invoco sobre todos aqueles que rezam por mim, as copiosas graças do céu.

Hoje farei um discurso, em português evidentemente, para os 420 jovens alunos dos beneditinos, e amanhã farei outro no colégio salesiano. É admirável a concórdia que reina entre todos os religiosos. Ontem estavam todos aqui no mosteiro de São Bento. Os padres beneditinos são europeus, alemães, mas estão em harmonia com os religiosos italianos.

A soma da ajuda Placência-Sidoli, eu a aceitaria de boa vontade, tanto que não consegui expressar a minha alegria. Também nós, você e eu, não teríamos nos separado do padre Francesco sem sentir uma dor muito forte, e talvez não teríamos aceito de deixá-lo partir, se não fosse em vista do seu maior bem, mas se o projeto vai em frente, tudo está salvo e o padre Francesco poderá prestar muitos serviços à Diocese, a mim e aos meus sucessores. Termino porque os bondosos salesianos vieram buscar-me.

Dia 26

A acolhida não poderia ter sido mais esplêndida, nem mais cordial: falei em português, respondendo às suas homenagens. Estavam presentes o diretor geral das escolas do Estado e o vice-presidente do senado, maravilhados e surpresos diante da facilidade como eu falava a sua língua. Almoçaram conosco, trocando-nos as costumeiras saudações, eu pelo Brasil, pelo Estado de São Paulo, eles por mim e pela Itália e pelos nossos emigrantes. Tudo foi muito bonito. Deus seja louvado!

Dentro de alguns instantes deixarei o local e farei outras visitas e antes da noite estarei no Ipiranga, O que desejo do. mais profundo da minha alma. Adeus padre Camillo; adeus padre Francesco. Escrevam-me logo. No próximo dia 2 de agosto, parto para o Estado do Espírito Santo, depois para o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, etc. para estar em Placência na festa de Todos os Santos.

No beijo santo. Carlo, que está bem, saúda-o. Abençoo-os a todos com coração grande.

Todo vosso em J.C. +Gio. Battista Vesc. de Placência Do Convento de São Bento (CARTA A PADRE CAMILLO — SÃO PAULO, 25/7/ 1904)

P.S. Se escreverem, enviem as cartas a São Paulo — Ipiranga. Não é necessário selá-las e nem recomendá-las. Os missionários vão enviá-las de eu estiver.


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

26/07/1904 | Visita ao Liceu Salesiano

26/07/1904, Terça-feira: Do São Bento vai com os Salesianos. Registro.

Visita ao Liceu Salesiano

Sua Exc.a. Rev.ma Mons. João Batista Scalabrini

Anunciando a chegada a Sio Paulo deste ilustre prelado, o Correio Paulistano, em seu número de 09 de julho, o fazia nestes termos:

"Deve chegar hoje a esta capital, hospedando-se no mosteiro de S. Bento, o Ex.mo Monsenhor João Batista Scalabrini, bispo de Placência.

Sua Excelência é o fundador da Congregação de S. Carlos e vem ao Brasil a fim de visitar os estabelecimentos dessa Congregação que há nos estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Monsenhor Scalabrini é filho da diocese de Como, na Lombardia, onde nasceu em 8 de Junho de 1839. Fez seus estudos em filosofia e teologia no Seminário de Como, do qual foi professor e mais tarde reitor. Recebeu o grau de doutor no Colégio Romano e foi vigário da paróquia de Sto. Abbondio, na mesma cidade de Como, onde tornou-se notável por seu zelo em prol de seus paroquianos.

Tendo realizado uma série de conferências na catedral de sua diocese, sobre o Concílio Ecumênico Vaticano I, o papa Pio IX nomeou-o bispo de Placência, sendo sagrado aos 28 de Janeiro de 1876.

Como bispo visitou cinco vezes toda a sua diocese, reuniu quatro sínodos diocesanos, tratou da reforma do clero e do aperfeiçoamento da vida sacerdotal.

Conhecendo bastante as necessidades dos italianos imigrados nas Américas e na Europa, conseguiu do Papa Leão XIII a permissão para fundar o Instituto Cristóvão Colombo, destinado à assistência dos emigrantes pobres.

Na América do Norte chegaram pela primeira vez os padres de S. Carlos em 1888, e no Brasil pouco depois.

Nos Estados Unidos a Congregação tem hoje 14 paroquias a seu cargo, atendendo mais de 600.000 italianos, tendo já fundado vários hospitais nas escolas paroquiais e nos portos marítimos.

Monsenhor Scalabrini fundou ainda em Placência um instituto de surdos-mudos, que são instruídos e tratados por zelosas irmãs da caridade.

Outra obra de importância empreendida e executada por Monsenhor Scalabrini, é a restauração da antiga catedral de Placência, em estilo gótico bizantino para a qual teve de angariar donativos e gastar cerca de mil contos de réis.

Como se vê, Monsenhor Scalabrini é um dos prelados que, por sua dedicação e por seus trabalhos muito honram o Episcopado Católico".

Sua Exc.a. Rev.ma no dia 18 do mesmo mês visitou o Liceu do Sagrado Coração de Jesus, que nessa ocasião duplicou suas galas a motivo de uma auspiciosa coincidência. O Dr. Mário Bulcão DD. Secretário da Educação do Estado fixara para esse mesmo dia sua visita oficial ao estabelecimento.

Ambas as autoridades foram recebidas com os sinais de alegria e acatamento a que tinham jus, e, pata furtar-nos às descrições da praxe, diremos tão só que SS. EE. depois de terem visitado a casa despediram-se do corpo docente e dos educandos do Instituto com palavras que bem revelavam sua profunda satisfação.

(REVISTA "SANTA CRUZ" DOS PADRES SALESIANOS, SP, 26/7/1904)


Presença registrada no Álbum do Liceu

"26 de julho. Parto edificado, comovido pela visita feita a este Colégio Salesiano, onde reina o espírito do venerável Dom Bosco, cuja lembrança me enche a alma de grande alegria e elevo fervorosos pedidos a Deus para que se digne abençoar e fazer frutificar as santas obras empreendidas para a sua glória e para o bem das pessoas".

Gio. Battista, bispo de Placência

(ÁLBUM DOS VISITANTES DO COLÉGIO SALESIANO, SÃO PAULO, 26/7/1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

29/07/1904 | Visita às Fazendas Santa Gertrude

29/07/1904, Sexta-feira: Fazenda Santa Gertrude.

30/07/1904 | Visita às Fazendas Santa Gertrude

30/07/1904, Sábado: Carta ao Pe. Francesco. Visita às Fazendas, Santa Gertrude.

Fazendas de café: necessitaria de uma centena de verdadeiros sacerdotes

            Meu caríssimo padre Francesco

Como vê, encontro-me a 250 milhas ao Norte de São Paulo, visitando os nossos jovens italianos que moram nas fazendas. Esta onde me encontro é uma das melhores, porque o dono, conde de Prates, é um católico que construiu uma capela no centro da colónia, onde os italianos se reúnem para fazer as orações e a cada dois anos, receber os Santos Sacramentos, quando chegam os nossos missionários. Agora que vejo como são as coisas, devo chamá-los verdadeiramente de heróis. Neste momento estão fora, quase todos ensinando, confessando e continuam durante meses passando de uma fazenda a outra em meio a muitas fadigas. Se tivesse disponíveis uma centena de verdadeiros sacerdotes, quanta glória se daria a Deus e quanto bem se faria a estas pobres pessoas abandonadas que beiram um milhão.

Ficaria muito contente em vê-lo como coadjutor de Dom Piacenza: escreva e faça de tal maneira que o processo esteja pronto por ocasião da minha chegada à Itália. É um pouco jovem, mas este é um defeito, que pouco a pouco se corrige por si mesmo.

Você já conhece as notícias a meu respeito e é inútil repeti-las. Digo-lhe somente que continuo muito bem, como no passado, e que Deus me protege com cuidado paternalmente amoroso. Ah! A eficácia da oração, como é sentida nas condições em que me encontro!

Saúda-me Dom Rossignoli, todos os seus Agareni pessoalmente; e em primeiro lugar o padre... a quem Deus deu a grandeza de coração; os superiores dos seminários e do colégio e quantos pedem notícias minhas, abençoo a todos de coração grande e ânimo valente.

Escrevendo para você, escrevo ao padre Domenico e vice-versa. Abraço os dois com o beijo santo e assim assino.

P.S. Carlo está muito bem e pede que leve suas notícias e suas saudações à mãe. Adeus. Abençoo o pessoal de casa, Andrea, Catterina, etc...

Seu afetuosíssimo

+Gio. Battista bispo de Placência

(CARTA AO PADRE FRANCESCO SIDOLI — FAZENDA SANTA GERTRUDES, 30/7/ 1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

31/07/1904 | Visita o distrito de Cascalho, na cidade de Cordeirópolis, no interior paulista.

30/07/1904, Domingo: De Santa Gertrude a Cascalho.

Nunca mais vos esquecerei

Visita de Dom Scalabrini, bispo de Placência.

No dia 31 de julho de 1904, com ânimo exultante e com a maior pompa possível, foi acolhida a preciosa visita do ilustre bispo, sua Excelência Dom Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Placência e fundador da Congregação dos Missionários de São Carlos para os italianos emigrados nas Américas. Falou diversas vezes ao povo, crismou mais de 800 pessoas e no dia seguinte celebrou a Santa Missa, dando em seguida a Bênção Apostólica e saiu deixando todo o povo muito impressionado, sobretudo pela sua humildade, afabilidade e doçura. Que Deus o abençoe e o conserve por muitos anos.

"Acolhido com sinais de muita alegria pela colónia italiana de Cascalho, a quem mais uma vez agradeço, e de quem nunca mais esquecerei, o dia seguinte celebrei a Santa Missa, suplicando a Deus muitas e supremas graças e bênçãos especiais para todas as famílias e para os numerosos crismados. Adeus, irmãos! Até à vista, no Paraíso" (Gio. Battista, bispo de Placência).

(LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA DE CASCALHO, 31/07/1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

04/08/1904 | Scalabrini nomeia a Direção da Província em São Paulo

04/08/1904, Quinta-feira: Scalabrini nomeia a Direção da Província em S. Paulo

Santo Padre, abençoa a nossa Obra!

Santidade!

O humilde Missionário da Congregação de São Carlos de Placência, superior e diretor do Orfanato Cristóvão Colombo de São Paulo (Brasil), implora da Sua Santidade uma graça especial a favor desta instituição que abriga, alimenta e educa 216 orfãozinhos dos dois sexos, quase todos filhos de emigrantes italianos que perderam a vida nestes países tropicais.

Pela necessidade imprescindível de dividir as duas seções do asilo, a masculina da feminina, depois de grandes sacrifícios, e com a ajuda de benfeitores generosos, foi construído e terminado um segundo e novo edifício na Vila Prudente de Moraes, que deverá ser solenemente inaugurado no dia 7 de agosto com a aprovação também do nosso Rev.mo e Ex.mo Superior Geral, Dom Scalabrini.

Será tomado por 80 orfãozinhas, que ficarão confiadas aos cuidados amigos das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus de Placência.

O novo colégio será colocado sob a proteção da Imaculada Conceiçä0 de Lourdes, porque justamente este ano Sua Santidade o dedicou ao 500 aniversário da definição dogmática da Santíssima Virgem. O abaixo-assinado e os seus coirmãos Missionários, pedem à Sua Santidade a bênção apostólica' a qual, além de abençoar a obra, os benfeitores, os padres e as Irmãs, permanecerá depois como perpétuo monumento de devoção para com a Branca Senhora dos Pirineus e de bondade e caridade para com as pobres órfãs.

O gesto de Sua Santidade dará novo impulso à generosidade de tantas pessoas boas que moram neste imenso Estado de São Paulo e que estendem sua caridade a favor dos pequenos infortunados, filhos de emigrantes italianos, recolhidos neste Orfanato.

Com os sentimentos de humilde e profunda veneração, ajoelhados ante a augusta pessoa de Sua Santidade, beijamos o sagrado pé e pedimos por

nós, Irmãs, Órfãos e Benfeitores, a Bênção Apostólica. Assinamos com orgulho, de Sua Santidade

Filhos humildes e agradecidos

Padre Faustino Consoni

Diretor dos Miss. de S. Carlos

Padre Marco Simoni Padre Luigi Zanchi

Padre Pietro Dotto

Padre Leandro Dell'Uomo

Padre Enrico Preti

Padre Giovanni Rabaioli

Padre Pedrazzani Carlo

Padre Giovanni Capello

Padre Vittore Viola

Padre Francesco Dolci Padre Alfredo Bonaiuti.

(CARTA DO PE. FAUSTINO AO PAPA PIO X, 03/08/1904)


Um bilhete ao Papa

Beatíssimo Padre

A Sua Bênção Apostólica, com uma palavra de augusto consolo, será para esses 12 padres, verdadeiros apóstolos de Jesus Cristo, o prêmio mais desejado e fonte de muito bem.

Digne-se abençoar também a mim, que com toda a força da alma, aproveito a ocasião e depois de beijar os vossos santos pés, me declaro

Seu humilde e afetuoso filho +Gio. Batista, bispo de Placência

(CARTA DE SCAIABRINI AO PAPA PIO X)


Decreto de nomeação da Direção Provincial

João Batista Scalabrini

Bispo de Placência

Superior Geral da Congregação de São Carlos

Tendo ficado vazio o cargo de Superior provincial das nossas missões no Brasil, pela nomeação do Padre Domenico Vicentini como reitor da Casa Mãe da mesma Congregação:

1º. — Querendo, como é nosso dever, suprir a necessidade, tendo invocado humildemente a ajuda de Deus e as luzes do Espírito Santo, decidimos nomear, pelo presente decreto, Superior provincial das missões de São Carlos no Brasil o Reverendíssimo Padre Faustino Consoni a quem todos os padres da Congregação de São Carlos deverão obedecer como seu legítimo e imediato Superior.

2º. — O Provincial será ajudado no desempenho de sua missão por um Conselho, um Secretário e um Ecônomo provincial.

O Conselho será convocado pelo Provincial, pelo menos uma vez ao mês, ou quando julgar necessário e oportuno. No encontro do Conselho serão discutidos todos os assuntos morais, religiosos e econômicos que dizem res peito à Congregação, e cada um dos conselheiros levará em frente o seu trabalho, fazendo nem mais e nem menos, e com diligência, aquilo que for decidido pelo próprio Conselho.

3º. — O Conselho fica assim composto:

a) Pelo Padre Fancesco Dolci, que será o secretário e o vice provincial.b) Pelo superior da casa, quando estiver em São Paulo.c) Pelo Padre Marco Simoni, ecônomo provincial.d) Pelo Padre Pietro Dotto.e) Pelo Padre Luigi Franchi.

O Conselho será presidido pelo Provincial ou pelo seu delegado. Poderá convidar para participar também os superiores das Casas quando se encontrarem em São Paulo.

4º. — Ao Provincial compete a atenção pela casa das Irmãs, a escolha dos confessores, ordinários e extraordinários, dos pregadores de retiros e pelo dia do retiro mensal, a direção externa, a fim de que tudo caminhe com ordem e caridade.

5º. — O Provincial visitará anualmente as Missões: em caso de impedimento poderá delegar o Vice Provincial ou quem crer mais apto para a importante missão; conversará com os excelentíssimos bispos para criação de novas missões para a assistência dos nossos compatriotas; empreenderá todos os esforços para que todas as casas observem as Regras, na medida do possível, e cuidará para que todos, sem nenhuma exceção, cumpram o dever sagrado do retiro anual e do dia de retiro mensal, dos quais deverão participar também os Padres que se encontram nas Missões ou nas Residências.

Invocamos ardentemente sobre todos as bênçãos do céu.

Dado em São Paulo (Brasil), em nossa casa do Ipiranga

+Gio. Battista, bispo de Placência

Sup. Geral dos Miss. de S. Carlos

(DECRETO DE SCALABRINI, 04/08/1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

05/08/1904 | Scalabrini inaugura o Orfanato Feminino na Vila Prudente

05/08/1904, Sexta-feira: Carta ao Pe. Camilo. Hoje inaugurei o orfanato da Vila Prudente. Terminei a minha missão aqui.

Inaugurei o Orfanato da Vila Prudente, terminei a minha missão aqui

Caríssimo padre Camillo,

Hoje inaugurei o orfanato da Vila Prudente, um prédio magnífico, que servirá de orfanato feminino; nomeei os superiores dos Missionários e o superior das Irmãs, e com isso posso dizer que terminei a minha missão aqui. Segunda-feira, às 5:30 parto definitivamente de São Paulo para o Estado do Espírito Santo. Serão visitas mais breves, de modo que fica confirmado o retorno para o dia dos Santos. Cresce o desejo de abraçar a você e a minha amada Diocese.

Diga ao Mons. Vigário geral, caso não o tenha já feito, que envie ao Santo Padre a cópia autenticada da declaração do nosso ex frade, pedindo ao mesmo tempo para habilitá-lo a celebrar a Santa Missa, claro, fora do seu pretendido oratório, e depois de cumprir as devidas penitências. Mons. Vigário, vá devagar com aquela pessoa difícil. O Santo Padre falou-me com o mais profundo desdém.

Estamos sobre os dois trilhos antigos: é necessário obedecer rigorosamente às leis do conhecido documento, que terá, sem dúvida, entregado a Dom Vinati.

Diga também ao Vigário geral que as celebrações jubilares solenes pela festa da Imaculada no mês de dezembro, devem ser feitas exclusivamente na Catedral; as outras igrejas da cidade se limitarão às oitavas; além do mais, na Catedral deverá acontecer a Missão.

Como lhe escrevi, repito de novo que estou contentíssimo pelo fato que o nosso caro e bom Padre Francesco seja nomeado coadjutor do monsenhor Piacenza. Já escrevi ao padre Francesco, manifestando-lhe a minha completa e incondicionada aprovação pela nomeação recebida. Queria que antes da minha chegada a questão estivesse concluída.

Se ainda não despachou a caixa dos remédios, segure-a aí. Vamos despachá-la na primeira ocasião que aparecer.

Seccherino cedeu, momentaneamente, imagino, a um pouco de nostalgia, ao menos que não tenha caído doente.

Se tivesse o endereço de Annovazzi, escrever-lhe-ia: faça saber que eu me encontrarei na Argentina, Buenos Aires, lá pela metade de setembro. Mas talvez seja inútil, porque a viagem é longa e a carta não chegaria em tempo. A minha saúde está sempre ótima, como também a do Carlo, precisamos dela: ainda falta um longo caminho.

Saúda-me cordialmente Vinati, Rossignoli, Pinazzi, Mondini, etc... e sobretudo o padre Francesco que vejo depois do almoço, sentado na grama, jogando pedrinhas. Adeus. No beijo santo: rezemos uns pelos outros. Saúda carinhosamente toda a minha gente. 

Adeus. Carlo envia saudações a você, ao padre Francesco e saúda muitíssimo a sua mãe".

Todo seu em C.J.

+Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO — SÃO PAULO, 5/8/ 1904)


* Capítulo IV do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

08/08/1904 | Deixa São Paulo e retorna ao Rio de Janeiro

08/08/1904, Segunda-feira: Deixa São Paulo e retorna ao Rio de Janeiro.

09/08/1904 | Chega a Niterói, Rio de Janeiro

09/08/1904, Terça-feira: Chega a Niterói – RJ, é acolhido pelos Salesianos.

Caríssimo Responsável,

Deixei definitivamente São Paulo ontem com grande dor. Como me sentia bem por lá! Estou hospedado aqui no colégio salesiano. Estes bons e zelosos religiosos me acolheram por tudo com grandes festas. Nas localidades onde têm casas, encontrei como sempre os seus jovens, as suas bandas. Fico verdadeiramente agradecido ao seu superior geral, padre Rua e estou profundamente edificado pela piedade e pelo zelo destes seus filhos.

Aqui, com seu grandioso colégio e com o esplêndido monumento levantado em honra da Imaculada, irradiam a sua influência benéfica até o Rio e mais longe ainda. Deus os acompanhe, abençoe e proteja sempre.

Amanhã parto para o Estado do Espírito Santo. No dia 21 estarei no Paraná, no dia 28 em Urussanga. Vou escrever-lhe como prometi de cada lugar por onde passar. Em São Paulo, combinamos com aquele ótimo bispo, que veio ontem às 5:30 à estação para saudar-me, os diversos pontos que já vos acenei, paróquia de São Bernardo, igrejas italianas em São Paulo, surdos-mudos, residências na Diocese. Que Deus nos envie bons sacerdotes. Pois a messe ... com aquilo que segue.

Deus continua protegendo-me: a minha saúde está sempre ótima, mas eu também coopero tomando todos os cuidados possíveis. A questão do coadjutor do padre Francisco, estará concluído, espero, e repito, quereria que fosse terminado o processo antes de minha chegada a Piacenza. Fale isto ao bispo Vinati, termine, porém, os trâmites com o padre Pietro.

Escrevi ao Santo Padre, talvez teria sido melhor ficar em silêncio; talvez tenha ousado demais, mas agora não há nada a dizer: está bem assim.

Muitas afetuosas saudações a Vinati, ao futuro arcipreste da catedral, que deveria dedicar-se especialmente ao canto litúrgico, e a todos.

Envio ao clero e ao povo uma bênção muito cordial.

Adeus, adeus, adeus: no beijo santo. Reze e faça rezar por mim.

Todo seu em J. C.

Gio. Battista, Bispo de Piacenza

(Carta ao Padre Camillo – Niteroi, 09/08/1904)


* Capítulo V do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

10/08/1904 | Scalabrini escreve ao Pe. Faustino

10/08/1904, Quarta-feira: Escreve ao Pe. Faustino.

Caríssimo padre Faustino,

Cheguei aqui feliz, acolhido festivamente por esses ótimos salesianos, que me brindaram com gentilezas extraordinárias. Mas ainda não me passou a dor de ter deixado a nossa casa do Ipiranga, onde passei um mês tão feliz, rodeado pelo afeto reverente de todos. Tenho-o sempre presente e a cada um dos padres, sempre tão dedicados, como bons filhos para com seu pai, e mal consigo resignar-me de não ver-vos mais ao meu redor. Deus vos proteja e vos cumule com suas graças mais especiais.

Peço-lhe de manter as coisas boas que existem, e de tirar com caridade prudente os defeitos sobre os quais falamos, iniciando a tarefa o mais rápido possível. O Senhor o ajudará certamente.

Quando tiver ocasião, agradeça muito a este ótimo bispo, agradeça-o em meu nome pela fraterna amizade que me dispensou e que nunca esquecerei. Saúda também o Vigário geral, o secretário dos Salesianos, os Jesuítas, os Capuchinhos.

Saúda muito a cada um dos nossos Padres, a quem — da mesma forma que a você — envio uma bênção especial e muito cordial. Abençoo de coração as Irmãs, os professores, os nossos jovens e as crianças da Vila Prudente, a todos.

Adeus. Amanhã parto para o Estado do Espírito Santo. No beijo santo: reze e faça rezar por mim.

Seu afetuosíssimo em J.C.

Gio. Battista, Bispo.

(CARIA A PADRE FAUSTINO — NITERÓI, 10/8/ 1904)


* Capítulo V do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

11/08/1904 | Viagem programada ao Espírito Santo que foi suspensa

10/08/1904, Quinta-feira: Viagem programada ao Estado do Espírito Santo. Viagem que finalmente foi suspensa.

12/08/1904 | Viagem ao Estado do Paraná

12/08/1904, Sexta-feira: Viagem ao Estado do Paraná.

17/08/1904 | Pe. Faustino responde a carta de Scalabrini

10/08/1904, Quarta-feira: Escreve ao Pe. Faustino.

Exc.a. Reverendíssima,

Antes de mais nada, em comunhão com a Comunidade, Irmãs, meninos e meninas, professores e empregados, prostrado aos pés de Sua Excelência, beijo o anel implorando a Bênção Pastoral.

O vazio deixado por Vossa Exc.a. nesta casa não é fácil preenchê-lo e todos os dias sentimos sempre mais que tivemos uma grande perda. As consolações e as dores deste breve peregrinar são assim. Alegramo-nos, porém, ao saber que está no meio dos nossos coirmãos para consolá-los, animá-los, exortá-los para o bem e estes colonos tão bons ficarão entusiasmados com a palavra de Sua Excelência, sempre querida pelos corações vazios de si e cheios do Espírito do Senhor.

Comecei a encaminhar alguma coisa das reformas sugeridas e dos novos empreendimentos para a glória do Senhor e para o bem das almas e dos pobres do Senhor e, no tempo oportuno, enviarei as informações detalhadas; procurarei mexer-me, apesar de eu ser a imagem da eternidade, como diz Sua Excelência em sua bondade, colocarei em prática as exortações de Sua Excelência Reverendíssima.

Sua Excelência, Dom Camargo, em sua Carta sobre os surdos-mudos, escreveu o seguinte: Aprovamos, aplaudimos e damos as nossas bênçãos a Dom José Bispo Diocesano.

Durante a semana procurarei levar a carta ao governador; talvez ele também queira escrever algo.

O folheto com as condições para a aceitação vou imprimi-lo à parte, de modo que só restará preencher os pedidos. Esperamos que o Bom Jesus abençoe a nova obra, Ele que teve tanta compaixão para com o pobre surdo-mudo.

A nova superiora da Vila Prudente, domingo de manhã durante a celebração da Santa Missa, teve um desmaio e depois cuspiu sangue. Dizem as irmãs recém-chegadas, que ela já teve sintomas semelhantes na Itália, agora está melhor e esperamos que não seja nada; de qualquer maneira achei melhor avisar Sua Excelência.

O padre Pasquale Cirillo, foi deixado pelo Bispo à nossa disposição e pela carta que anexo a Sua Exc.a. poderá fazer-se uma ideia correta de como estão as coisas, mas faz sentido que peça à Sua Excelência um parecer para não agir em consciência dúbia; ele quer uma ajuda de mil liras já e depois, uma quantia por mês até liberar as duas freiras de alguns compromissos. A soma total será de 4000 liras. O padre entraria na Congregação e talvez aceite de fazer-se missionário, sendo professor do ginásio até a teologia, levando os jovens ao sacerdócio sem necessidade de mandá-los à Itália; ele é profundo em tudo e bastante bom, mas antes quero a opinião clara de Sua Excelência; este é também o pensamento do Vice Provincial; o senhor vai fazer-me esta caridade, são suficientes duas linhas para me enviar logo uma resposta. Incluo uma carta recebida ontem da Itália.

Mais uma vez imploro a bênção sobre todos e com os agradecimentos respeitosos das boas pessoas de São Paulo, venero-a de todo o coração e na esperança de revê-la em Santos, confesso-me

Filho obediente

Pe. Faustino Consoni

P.S. Muitas saudações aos reverendos padres e ao bom Carlino que marcou a todos por sua extraordinária gentileza e por ser um bom cristão, o que é mais importante. E como está o Pe. Marco?

(CARTA DE PE. FAUSTINO A SCALABRINI, 17/8/1904)


* Capítulo V do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

18/08/1904 | Chega ao Porto de Paranaguá, no Paraná

18/08/1904, Quinta-feira: Chega ao Porto de Paranaguá.

Chega ao Porto de Paranaguá, depois de trem a Curitiba, após 6 dias de viagem. “O Governador e todas as autoridades civis, militares e eclesiásticas estavam na estação no momento da minha chegada”. Hospeda-se no bispado, onde foi preparado o almoço, participaram autoridades e o cônsul italiano.


 

Reações da imprensa de Curitiba

Diário da Tarde (19/8/1904)

Chegou ontem a esta capital o Sr. bispo de Placência que foi recebido na estação da estrada de ferro pelo representante Sr. Governador do Estado, sacerdotes e membros da colónia italiana.

O Sr. Bispo esteve hoje no palácio, acompanhado do monsenhor Celso, governador do bispado e partiu às 2 horas da tarde para a colónia de Santa Felicidade, onde foi hospedado pelos missionários de S. Carlos, de cuja ordem é superior.

Livro Tombo (2, pg 3, Santa Felicidade, 18/8/1904)

No dia 18 de agosto de 1904, chegou aqui o bispo de Placência. Dom João Batista Scalabrini, Superior geral da Congregação dos Missionários de São Carlos, para visitar os colonos italianos.

Livro Tombo (2, pg 3, Campo Comprido, 18/8/1904)

Aos 18 de agosto de 1904, chegou em Santa Felicidade o grande bispo de Placência, Itália, Dom João Batista Scalabrini, Fundador e Superior geral da Congregação dos Missionários de São Carlos, para visitar as colónias italianas e na visita que fez a Campo Comprido, cuja igreja já estava no seu término, animando aqueles bons italianos, disse-lhes: "Bravos, filhos! Coragem! Quando estiver pronta, enviarei um sacerdote"!


* Capítulo VI do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

19/08/1904 | Scalabrini escreve carta ao Pe. Camillo, visita ao Governador do Estado, ao general do exército, ao cônsul

19/08/1904, Sexta-feira: Escreve uma carta ao Pe. Camillo. Visita ao Governador do Estado, ao general do exército, ao Cônsul.

Querido responsável,

Estou escrevendo do bispado de Curitiba. Cheguei aqui ontem às 6:30. Estamos a 1000m acima do nível do mar. A acolhida foi verdadeiramente triunfal. O governo deste Estado do Paraná enviou o trem com o vagão presidencial e a banda. Estavam presentes as autoridades civis, militares e eclesiásticas. Eu tinha programado de prosseguir para Santa Felicidade, os nossos emigrantes tinham vindo à cidade (meia hora de caminho) para me conduzir, em triunfo, até lá, mas tive que ceder às insistências das autoridades e hospedar-me no bispado, onde estava já preparado o almoço, do qual participaram todas as autoridades e o cônsul italiano. Hoje retribuirei a visita ao Governador do Estado, ao general do exército, ao Cônsul e depois partirei rumo à nossa colónia.        

Do Rio de Janeiro até aqui foram necessários 6 dias, 5 de mar. O primeiro dia foi horrível; todos estavam doentes; Carlo pensava morrer; eu também paguei um pequeno tributo às iras das ondas; exatas 24 horas de sofrimento. Mas, acabado o movimento das águas, todos melhoraram num instante, esquecendo as coisas passadas. O resto da viagem foi ótimo. De Paranaguá, porto de mar do Estado, sobe-se até aqui pela ferrovia, que às vezes passa por precipícios que dão medo, contudo se viaja bastante bem.

Ficarei aqui pelo menos 8 dias e depois partirei para o Rio Grande do Sul, onde deverei deter-me uns 10 dias. De lá lhe escreverei.

Aqui, quase terminou o inverno e está para iniciar a primavera: as árvores estão florescendo, é uma coisa maravilhosa de se ver. O Paraná, do tamanho da Itália, é um lugar esplêndido; poderia acolher 30 milhões de pessoas e só tem 400 mil. É uma das reservas da Providência. É um altiplano imenso, enfeitado por florestas de araucárias. Continuo dizendo a Carlo: se estivesse aqui o padre Camillo!

A minha saúde está sempre ótima e também a do Carlo. No início de outubro pretendo partir. Se Maldotti falasse aos administradores da Geral? De qualquer maneira partirei na primeira metade de outubro. Deverei fazer a homilia sobre a Imaculada, em português evidentemente, no dia 9 de outubro em Niterói, porém, ainda não confirmei. Seria lindo terminar a minha peregrinação com uma homenagem à nossa querida Senhora Imaculada e depois partir. Vamos ver. Nem tudo aquilo que é bonito pode ser feito. Porém, o pensamento me alegra e seria um verdadeiro acontecimento.

A questão da coadjutoria Sidoli estará, eu o espero, concluída. Ficaria muito alegre se o visse com a brilhante capa magna!

Adeus. Saudações muito afetuosas ao futuro arcipreste, a Pianazzi, Vinati, padre Faustino (o arquivo está arrumado?) e a todos.

De coração abençoo toda a Diocese.

No beijo santo. Reze e faça rezar.

Seu +Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO — CURITIBA, 19/8/ 1904)


* Capítulo VI do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

20/08/1904 | Hospeda-se junto aos meus Missionários em Santa Felicidade

20/08/1904, Sábado: “Hospedei-me junto aos meus Missionários em Santa Felicidade”

Visita de Dom Scalabrini

Aquela grande alma de Giovanni Battista Scalabrini que, pelo vivo interesse que assumira pelos italianos obrigados a deixar a pátria, foi declarado o Apóstolo dos emigrados, embora ocupadíssimo na sua Diocese, encontrou maneira e tempo de deslocar-se para as duas Américas, Norte e Sul, para ver e consolar os emigrados no lugar do seu voluntário exilio e para animar os seus Missionários a continuar na sua obra. Em 1901, ele tinha ido para os Estados Unidos, onde recebeu grandiosa acolhida por parte das Autoridades Eclesiásticas e Civis e dos numerosos italianos. E para o Brasil veio em 1904, chegando a Curitiba no dia 18 de agosto. Também nesta República o Bispo recebeu provas da alta estima e veneração que se cultivava por ele: o Governo do Paraná lhe preparou uma recepção esplêndida, como aquelas que se fazem para os maiores personagens, e solenemente o recebeu o Monsenhor Celso Itiberê da Cunha, que então era Governador da Diocese. E a colônia fez de tudo o melhor para recepcioná-lo e nem é possível descrever a emoção das pessoas ao ver aquele que tanto se havia interessado pelo bem deles. O Bispo partiu para o Rio Grande no dia 7 de setembro, deixando em todos a mais alta admiração pelos seus dotes e virtudes, e o desejo de revê-lo. Mas o Pastor bom e santo, que tinha passado 65 anos de vida fazendo bem a todos, foi chamado pelo Príncipe dos Pastores, Cristo Senhor, para receber a coroa da glória no céu, no dia 1° de junho de 1905.


Fonte: GEREMIA, Padre Mario; VIVIAN, Padre Ervino. Santa Felicidade: Curitiba: o início de uma bela história - João Batista Scalabrini: pensando grande. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 34.

 

Scalabrini elogia a colônia de Santa Felicidade e pensa na causa indígena

B.P.

No meio das angústias e fadigas do vosso sublime ministério, é um atrevimento, que um vosso filho que se encontra distante, venha depor aos vossos pés suas homenagens, desejando que Deus vos conceda a luz e a força necessárias à hora presente. Já que a V.S. me honra pela sua paterna benevolência, permita-me colocar algo que me diz respeito.

Estou aqui no Estado do Paraná. O Governador e todas as autoridades civis, militares e eclesiásticas estavam na estação no momento da minha chegada, e foi para mim uma grande consolação depois das dificuldades da viagem para chegar aqui (980 m acima do nível do mar), 6 dias de mar e 6 horas de trem passando por precipícios horríveis.

Hospedei-me junto aos meus Missionários em Santa Felicidade. Esta é a colônia modelo: a mais organizada de todo o Brasil. Os missionários a estão acompanhando desde o nascimento e, como foi assistida permanentemente, mantém-se cristã, católica e fervorosa. Ontem distribui a comunhão a um número muito grande de pessoas. Estende-se para o interior mais ou menos 20 milhas. Os bons sacerdotes estão em movimento contínuo não só pelas colônias, mas fazendo as missões por todo o Estado. Cheguei a P. (!) último confim civilizado. Dali para frente é só floresta, habitada pelos índios da selva.

O Cardeal Simeoni me dizia muitas vezes: quando os Missionários chegarem perto dos índios, deverão pensar em fazer algo também para eles. É o nosso caso. Falou-me também o Governador do Estado e ele me garantiu dar todo o seu apoio. Por enquanto 3 ou 4 sacerdotes serão suficientes. Cuidando preferencialmente das colônias italianas, estudarão o modo de os povos da floresta. Se Deus os assistir e puderem alcançar a sua simpatia, enviarei gente pronta a sacrificar-se, do contrário, ficaremos só no bom desejo. Estes povos das selvas são os descendentes daqueles que os Padres Jesuítas converteram, mas depois foram abandonados e afugentados a tiro, tiveram que fugir para dentro das florestas. Conservam ainda, pelo que se fala, alguns traços de Cristianismo nas suas cerimónias. Peço-lhe Santidade uma oração e envie uma bênção especial para esta nova obra de caridade.

A minha saúde, apesar das fadigas das longas viagens, conserva-se sempre ótima. É, repito, o efeito da vossa bênção. Só tive um dia de mal-estar no mar, por causa de uma grande tempestade e disse: talvez o Santo Padre não se recordou de abençoar-me.

Estão iniciando neste grande país os calores da primavera, e com estes as doenças costumeiras, a varíola que ceifa numerosas vítimas e cá e lá algum caso de peste. Os lugares infectados já os passei. Seguirei para o Estado do Rio Grande do Sul e, se Deus quiser, penso iniciar a viagem de retorno nos primeiros dias de outubro.

Prostrado...

(CARTA AO PAPA PIO X — CURITIBA, FINS DO 8/1904)


* Capítulo VI do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

27/08/1904 | Scalabrini visita comunidades italianas do Paraná

27/08/1904, Sábado:Dom Scalabrini visita as comunidades italianas de Água Verde, Campo Comprido, Timbituva, Caratuba, Ferraria, Rondinha, Campinas, Umbará, Santa Maria do Novo Tirol, todas fundadas pelos pioneiros Scalabrinianos Colbachini, Molinari, Mantese.

28/08/1904 | Scalabrini se encontra em Curitiba com os "italianos da cidade"

28/08/1904, Sábado: Dom Scalabrini se encontra em Curitiba com os “italianos da cidade”. “Foi uma reunião muito comovida, foi muito difícil não chorar. Muitíssimos homens e mulheres choravam, eu aguentei firme. Honra e glória, só a Deus”.

31/08/1904 | Scalabrini escreve uma carta ao Pe. Camillo

31/08/1904, Quarta-feira: Dom Scalabrini escreve uma carta ao Pe. Camillo.

Scalabrini, seus missionários e as colônias italianas

Meu caro padre Camillo,

Escrevi-lhe sobre a minha chegada a Curitiba e agora que estou partindo, volto a fazê-lo. Amanhã às 6:30, (01/09) tomo o trem e vou a Paranaguá. Ali embarcarei para Porto Alegre, aonde chegarei depois de 5 dias de mar.

Do bispado de Curitiba, onde pernoitei na chegada, passei para Santa Felicidade, distante 7 quilómetros e hospedei-me na humilde casinha de madeira com os Missionários. Dizem que esta é a melhor colônia de todo o Brasil. A igreja é belíssima e tem capacidade de acolher vários milhares de pessoas; aqui há, irmãs, escolas, frequência aos Sacramentos, à palavra de Deus, como nas melhores paróquias da Itália. Na redondeza, ao largo de quarentena milhas se espalham muitas colónias italianas: Água Verde, Campo Comprido, Timbituva, Caratuba, Ferraria, Rondinha, Campinas, Umbará, Santa Maria do Novo Tirol etc., todas por mim visitadas em meio a demonstrações incríveis. Cada colónia tem a sua igreja, atendida periodicamente pelos Missionários. A população é de aproximadamente 30 mil habitantes.

Estas alegres colónias foram fundadas pelos nossos primeiros missionários, Colbachini, Molinari, Mantese; foram crescendo e conservadas católicas e fervorosas pelos seus sucessores. Este território era um floresta, covil de ladrões e de assassinos, e agora é um jardim em todos os sentidos. É uma obra grande, mas para mantê-la são necessários, por enquanto, 3 ou 4 missionários. Este lugar do Paraná é muito lindo, está a 1000 metros de altura e possui uma vegetação magnífica de pinheiros, de araucárias, com um ar de bálsamo. Também o bom Morelli se encontraria bem aqui.

A minha vinda aqui foi abençoada por Deus. Se pudermos realizar aquilo que foi combinado com o Vigário geral, dar-se-á glória a Deus e muito bem será feito para as pessoas. Faça-se, faça-se, a vontade de Deus!

Agora estamos sentindo um pouco o inverno. Do dia 19 ao 25, o termómetro marcava 28 graus: o dia seguinte desceu a 8 graus: uma diferença de 20 graus. Eu também senti, mas levemente. Agora o termómetro marca 18 graus, porém, chove torrencialmente.

No dia 28 estive em Curitiba para falar aos italianos da cidade. Foi uma reunião muito comovida, foi muito difícil não chorar. Muitíssimos homens e mulheres choravam, eu aguentei firme. Honra e glória. só a Deus.

Eu estou muito bem e Carlo também.

Adeus. Saudações cordiais a Dom Vinati, ao padre Francesco, cujo caso espero esteja terminado e quero vê-lo por isso vestido com a brilhante capa magna na festa de Todos os Santos; ao padre Faustino, a quem tanto recomendo o arquivo, que espero vê-lo organizado no meu regresso; aos Canónicos, a todos os sacerdotes; ao doutor Marchesi, C. Tedeschi, M. Volpelandi, Guerra, Calda; a todos aqueles que rezam por mim ou pedem notícias minhas.

No beijo santo: reze e faça rezar por mim.

Todo seu em J.C.N.S.

+Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO, CURITIBA, 31/8/1904)


* Capítulo VI do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

02/09/1904 | Scalabrini apresenta ao Bispo projeto missionário para Curitiba

02/09/1904, Sexta-feira: Dom Scalabrini hospeda-se no bispado para viajar no dia seguinte. Dom Scalabrini escreve uma carta ao Dom Duarte Leopoldo e Silva, bispo de Curitiba apresentado o projeto missionário para Curitiba.

 

Scalabrini apresenta o Projeto Missionário para Curitiba

Exc.a. Reverendíssima,

Antes de deixar o seu palácio episcopal, no qual passei a primeira noite na minha chegada e a última da minha estadia em Curitiba, sinto a obrigação de lhe apresentar as minhas felicitações pelo seu ingresso nesta Sede, para a qual foi merecidamente promovido, e desejar-lhe todo o sucesso no seu elevado ministério episcopal.

Muito me alegro também pelo seu livro “Concordância dos Santos Evangelhos”, que li com muito interesse e faço votos que o senhor possa oferecer outras joias semelhantes à sagrada literatura.

Um bispo como Sua Exc.a. escreve: “no Brasil onde são tão poucos os operários da vinha do Senhor (p. 78), e depois na p. 192: o verdadeiro pastor morre, se for preciso, para que as suas ovelhas tenham vida, a vida da graça, etc...” não pode não se alegrar com o que lhe direi para a glória de Deus e o bem das almas.

Eu estaria disposto a recomeçar a catequese dos índios deste Estado, atendendo assim a um desejo que me foi expresso pela Santa Sé, se Vossa Excelência designasse Tibagi, como residência dos Missionários, localidade que está há algum tempo sem sacerdote. Os Missionários dariam assistência à paróquia e às colónias italianas daquelas longínquas regiões, estudando a maneira de colocar-se em comunicação com os próprios índios. Depois, de acordo com a necessidade seriam enviados os sacerdotes.Seu Vigário geral me falava sobre a possibilidade de transferir os Missionários residentes em Rondinha para a vicaria de Campo Largo, a fim de atender os fiéis desta localidade e os colonos italianos das redondezas. Se Sua Excelência aprovar o projeto, digne-se fazê-lo saber para que tome oportunas providências.Seria necessário que os Missionários obtivessem de Sua Excelência toda a liberdade para entrar em todas as colônias italianas, das várias paróquias nas quais não conseguem nem mesmo cumprir o preceito pascal, e, assegurado o que deve ser assegurado, pudessem administrar os Sacramentos, como estabeleceu para as fazendas de São Paulo, Dom Arcoverde Alvarenga, e creio, também o atual digno sucessor dele.Uma igreja italiana na cidade seria de grande utilidade e talvez se conseguiria ainda salvar muitas almas, agora afastadas de Deus.As colónias italianas de Água Verde, de Santa Maria nova Tirol, de Zacaria e de Moracy, retiradas dos Missionários de São Carlos, creio porque eram poucos, e confiadas aos padres alemães e franceses, pedem insistentemente de serem agregadas aos Missionários italianos. Creio que Sua Excelência deva atendê-las, a fim de evitar desagradáveis recursos a Roma. Eu convenci a quem me falava disso a ter paciência, assegurando-lhe que Sua Exc.a. tomaria as providências para o bem de suas almas. Ao senhor, Monsenhor, a decisão.

Eu estou disposto a enviar dentro do corrente ano, outros Missionários e assim, colocando dois em Santa felicidade, dois em Água Verde, dois em Rondinha e depois Campo Largo, dois em Tibagi, Sua Exc.a. iniciaria de modo maravilhoso o seu episcopado, demostrando de não fazer acepção de pessoas e de pensar em todos, sem excluir os pobres índios.

O Padre Marco, ou algum outro, irá visitá-lo para saber dos planos de Sua Exc.a. Reverendíssima e transmitir-me as informações, para que possa enviar o quanto antes os Missionários que forem necessários.

Beijo, venerado coirmão, as mãos sagradas e com sentimentos de muita estima e de profunda veneração, confesso-me De Sua Exc.a. Reverendíssima

Humilde e afetuoso servo em J. C.

+ Gio. Battista bispo de Placência

Sup. Ger. Dos M. de S. Carlos

(CARTA A DOM DUARTE LEOPOLDO E SILVA, BISPO DE CURITIBA, 2/9/ 1904)


* Capítulo VI do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

03/09/1904 | Scalabrini deixa Curitiba rumo a Porto Alegre

03/09/1904, Sábado:
Deixa Curitiba com o trem, às 6 da manhã, e dirige-se ao porto de Paranaguá, aonde chega ao meio-dia, e às 15 horas embarcou no navio “Santos” com destino a Porto Alegre.

05/09/1904 | Scalabrini desembarca em Florianópolis

05/09/1904, Segunda-feira: Dom Scalabrini desembarca em Florianópolis por algumas horas e é acolhido pelo Governador, o clero, que “acompanhado de um piquete de soldados vieram receber-me com a lancha oficial”.

08/09/1904 | O navio chega no Porto do Rio Grande

05/09/1904, Quinta-feira: O navio chega no Porto do Rio Grande.

09/09/1904 | Scalabrini desembarca em Florianópolis

09/09/1904, Segunda-feira: Dom Scalabrini desembarca em Florianópolis por algumas horas e é acolhido pelo Governador, o clero, que “acompanhado de um piquete de soldados vieram receber-me com a lancha oficial”.

Algumas horas em Florianópolis

Caro meu amigo, padre Camillo,

Escrevo algo sobre meu itinerário. Sábado, dia 3 do corrente, deixei Curitiba às 6 da manhã, e fui conduzido à estação, sendo saudado pelo Vigário geral, pelo cônsul e por muitos sacerdotes. Desci aqueles precipícios  com ansiedade menor da esperada minha disposição. O Governador do Estado tinha colocado à minha disposição o seu vagão especial.

Ao meio dia cheguei ao porto de Paranaguá e às 15 horas embarquei no navio "Santos", o mais lindo dos 'costeiros'(embarcações que navegam as costas brasileiras). A viagem transcorreu bem, mas no dia 7 uma tempestade nos fez experimentar a todos o mal de sempre. Eu também fui atingido, porém, menos que os outros. Quando chegamos, às 19 horas, no porto de Rio Grande, todos estávamos bem. Aconteceu, porém, um incidente estranho. A tempestade tinha transportado para aquelas paragens tão grande quantidade de areia que o navio encalhou e fomos obrigados a ficar naquele lugar até às 19 horas do dia seguinte, festa da Natividade de Maria Santíssima, esperando a chegada da maré, então o navio se libertou e em poucos minutos estávamos em Rio Grande, uma cidadezinha bonita, que toma o nome do rio navegável. Amanhã de manhã estaremos em Porto Alegre. De lá, com um dia de viagem chegaremos a Encantado onde pretendo permanecer uns 10 dias. Daquele distante canto americano, enviar-lhe-ei outras notícias.

Quase me esquecia de dizer que no dia (5 desembarquei, por algumas horas, em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. O clero, o representante do governo, acompanhado de um piquete de soldados vieram receber-me com a lancha oficial. O Governador, um homem digno e católico fervoroso, causou-me uma ótima impressão. Felizes os povos que são dignos de possuir tais governantes!

A viagem agora é maravilhosa. O rio é largo, mas sempre se contemplam as duas margens, sempre verdejantes. O clima é parecido com aquele da Itália. Estamos no início da primavera e se sente um pouco de frio. Em dois dias se vai a Buenos Aires. Descemos muito.

Saúde ótima. Adeus: saudações carinhosas a Dom Vinati, Dallepiane, Rossi, Pinazzi, etc... Ao padre Francesco desejo o melhor.

No beijo santo: rezemos um pelo outro.

Adeus! Adeus! Até a festa de Todos os Santos.

Seu +Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO, DO NAVIO, 9/9/1904)


* Capítulo VII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

10/09/1904 | Scalabrini desembarca em Porto Alegre

10/09/1904, Sábado: Dom Scalabrini chega a Porto Alegre, às 10 da manhã. Acolhido pelo Vigário, na ausência do bispo, e pelo povo. Fica hospedado no bispado.

Porto Alegre encanta Scalabrini

'Retomo de novo a carta, para lhe dizer que chegamos finalmente às 10 horas a esta cidade, a mais bela entre as mais bonitas.

Fui acolhido com muita cordialidade pelo Vigário Geral — pois o bispo estava ausente, participando das conferências trienais — e por muitos e bons católicos. Fui conduzido aqui ao bispado, onde ficarei hospedado até segunda-feira. Às 6 partirei para Encantado. Devia encontrar-se no momento do desembarque o representante do governo com a banda, mas o tempo estava péssimo, chovia a cântaros e por isso ficaram em casa.

Na cidade temiam pela minha vinda, porque tinha caído um verdadeiro tufão, que arrancou árvores e destelhou casas. Temiam um forte furacão na Lagoa dos Patos, perto da cidade. Mas não aconteceu nada. A terrível lagoa estava tranquila como o óleo. Aconteceu a mesma coisa quando cheguei a primeira vez em Paranaguá. Oh, as orações dos bons placentinos e a bênção do Santo Padre!

Todo seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo

(CARTA A PADRE CAMILLO (CONTINUAÇÃO), PORTO ALEGRE, 10/9/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

13/09/1904 | Deixa Porto Alegre e chega em Estrela

13/09/1904, Terça-feira: Deixa Porto Alegre e às 20 horas chega na cidade de Estrela. Hospeda-se na casa paroquial de um jesuíta.

14/09/1904 | Scalabrini chega em Encantado

14/09/1904, Quarta-feira: Continua a viagem, agora a cavalo, e às17 horas chega, finalmente a Encantado e é “acolhido de forma triunfal, entusiasta e comovedora”.

15/09/1904 | Dom Scalabrini escreve uma Carta ao Pe. Camillo desde Encantado

15/09/1904, Quinta-feira: Dom Scalabrini escreve uma Carta ao Pe. Camillo desde Encantado.

Encantado acolhe Scalabrini triunfalmente

Caríssimo Padre Camillo,

Escrevi-lhe quando cheguei a Porto Alegre no dia 10 do corrente, e agora continuo descrevendo o meu itinerário.

O dia 11 converteu-se numa grande festa para mim. O governo enviou a banda militar ao bispado; no almoço estavam presentes o presidente dos Ministros e a fina flor do clero e do laicato; houve discursos e calorosas saudações. Respondi a todos em língua portuguesa para admiração e a alegria deles. Tinha falado também aos seminaristas, uns 40 ao todo.

Segunda-feira visitei o hospital e diversos outros estabelecimentos, e terça-feira subi o rio Taquari e às 20 horas cheguei Estrela, hospedando-me na casa do pároco, um jesuíta. Quarta-feira de manhã, parti a cavalo cheguei aqui às 17 horas, acolhido por esta colónia de forma triunfal, entusiasta e comovedora. Durante vários quilómetros fui acompanhado por uns 300 homens a cavalo. A cidade é uma flor. O ribombar dos morteiros era imponente. Encantado se encontra mais ou menos a 350 milhas ao Norte de Porto Alegre; é um belíssimo lugar, saudável e fértil. Os nossos Missionários são estimados e realizam um bem extraordinário. Porém, são poucos, e estão espalhados num território com mais de 130 milhas. Tinha em meu projeto a vontade de visitar todas as nossas colônias, mas não será possível. Basta dizer que daqui a Nova Bassano são necessários quatro dias a cavalo, por estradas, muitas vezes, impraticáveis. Aceitarei o sacrifício de ficar aqui, onde reunirei os Missionários, visitando as colônias menos distantes.

Daqui seguirei, nos primeiros dias de outubro para a Argentina, e depois embarcarei de volta à Itália, espero, pela festa de Todos os Santos.

Quando receber esta carta, estarei em alto mar. Decidi não voltar ao Rio de Janeiro para o sermão da Imaculada. Assola por lá a varíola e, talvez, alguns casos de peste bubónica; e é prudente ficar longe dos perigos quando não existe necessidade absoluta de se expor.

Tenho sempre recebido as suas cartas e jornais. As duas do dia 02 e 06 de agosto as recebi aqui, chegadas de São Paulo.

A obra dos surdos-mudos, sobre a qual lhe escrevi, está iniciando com o apoio geral do clero e das autoridades civis de São Paulo. Será uma lembrança nobre da minha passagem por aquele Estado. Honra e glória só a Deus. Também os outros projetos vão acontecendo. Numa palavra, estou muito contente por ter vindo.

Adeus. Saudações cordiais ao padre Francesco e a todos.

No beijo santo: Oremos uns pelos outros.

Seu afetuosíssimo

+Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO — ENCANTADO, 15/9/ 1904)

P.S. A saúde está ótima para mim e para o Carlo, apesar das fadigas e dos cansaços das viagens intermináveis. O Estado do Rio Grande do Sul confina com a Argentina, portanto, daqui se chega lá em 4 dias.


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

16/09/1904 | O projeto de Scalabrini para Curitiba é encaminhado pelo Padre Faustino

16/09/1904, Sexta-feira: O projeto de Scalabrini para Curitiba é encaminhado pelo Padre Faustino

Excelência Reverendíssima!

Imagino que esta carta chegará em suas mãos em Encantado. Escrevo para que fique sabendo algumas coisas antes ainda do seu retorno à Itália. A carta foi escrita em caracteres pelo Secretário do Instituto, seu servo e amável admirador, ele também esteve presente ao colóquio que tive com sua Excelência Reverendíssima o bispo de Curitiba, C. Leopoldo Duarte.

Fui à casa do jovem Prelado, logo que ele retornou da Assembleia de Aparecida e fui acolhido com aquela cortesia, nunca negada pelo ex canónico Duarte. Ele me disse que tinha recebido a carta de Sua Excelência, e que teria respondido logo, ponto por ponto. Mostrou-se satisfeito pela acolhida que recebeu Sua Excelência Reverendíssima no Paraná. Quando iniciamos a falar sobre os particulares, acrescentou que via com alegria a missão dos Missionários junto aos índios, e que da sua parte vai apoiá-la da melhor maneira possível. Com a mesma franqueza depois me declarou a respeito do atendimento dos colonos italianos das diversas partes de sua Diocese que, recorrer a Roma para resolver as coisas pendentes ou mal-entendidos que existem, é uma atitude que ele não aprova, pelo contrário ele a condena.

“Eu, acrescentou, sou jovem e estou animado pelo melhor espírito e sinto-me com muitas forças para fazer o bem aos meus diocesanos, mas será necessário não bater contra os interesses dos Párocos locais, e será necessário procurar todas as formas para garantir a concórdia. Valorizo e estimo os Padres Missionários de São Carlos, e conto ter naqueles do Paraná uma grande ajuda para levar em frente a minha difícil missão”.

Será necessário por isso esperar que o novo bispo chegue ao lugar e, depois que tiver tomado conhecimento exato das coisas, penso, quererá de verdade fazer as coisas bem-feitas.

Incluo na presente uma carta chegada de Placência. Já despachei para Encantado toda a correspondência chegada da Itália nestes últimos quinze dias. Aguardo agora um comunicado de Sua Excelência anunciando o seu retorno e possivelmente o dia exato da chegada em Santos.

Tenha, da parte de todas as pessoas desta casa, Padres, Irmãs, Secretário, empregados, operários, meninos e meninas a manifestação de sua devoção e, comigo, todos beijam o santo anel, ajoelhados aos seus pés. Aceite-me por enquanto de Sua Excelência ilustríssima e reverendíssima.

Filho afetuosíssimo e obedientíssimo em J.C.

Padre Faustino Consoni, Miss.

Espero que Sua Excelência tenha recebido a fotografia de um quadro que eu mandei colocar em Aparecida, Santuário da Santíssima Senhora, por ocasião da Visita Canónica.

(CARTA DO PE. FAUSTINO A SCALABRINI, 16/9/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

18/09/1904 | Resposta do Pe. Faustino

18/09/1904, Domingo: Resposta do Pe. Faustino 

Exc.a. Reverendíssima,

Envio-lhe uma carta chegada ontem dos Estados Unidos e uma cópia da carta do Núncio Apostólico, Monsenhor Giulio Tonti, elogiando e abençoando a obra dos surdos-mudos e concedendo também a indulgência de 100 dias aos benfeitores da obra; está vindo também uma Carta do Sumo Pontífice com uma doação de mil liras para este Orfanato. Poderá ler a notícia nos telegramas do Fanfulla de ontem, que estou enviando.

Mais uns dias e enviarei a carta de Dom Duarte, bispo de Curitiba em resposta às questões colocadas por Sua Excelência. Deus abençoe as obras existentes e aquelas que temos de começar, para a glória de Deus e o proveito das almas.

Enviei-lhe anteontem uma fotografia, cópia do grande quadro que mandei ao Santuário de Aparecida e espero que Sua Exc.a. tenha gostado, e na volta prometo entregar-lhe outras para que as leve para a Itália.

Particularmente devo dizer-lhe que o sr. Professor, pelo menos assim se faz chamar, Parmigiani, que vossa Excelência apresentou ao Conde Prates e a dona Viridiana, parece que não esteja agindo com boas intenções e aquilo que mais me entristece é que abusa dos cartões deixados com ele por Sua Excelência. Em Santa Gertrudes pediu dinheiro emprestado ao Administrador, ao Alfredo, e desapareceu; pediu também para mim, mas respondi-lhe que não tinha dinheiro para ele e ponto final; não quereria que o Conde Prates ficasse chateado e seria bom que Sua Excelência escrevesse duas linhas pedindo desculpas, caso o cartão tivesse provocado algum inconveniente, porque estou certo de que, quando o Conde for a Santa Gertrudes, ele será informado de tudo. Trapaceia também comigo. É um Medium Espírita, e atua como agente secreto de Ciriati, Ministro da Itália, para caçar os tratantes, enquanto parece-me que ele não é muito diferente dessa gente.

Desculpe se lhe digo estas coisas, mas é para preveni-la sobre as cartas de recomendação, muitas vezes fatais para nós.

Muitas saudações por parte de todos e todos estamos esperando uma visitinha aqui em cima. Obséquios e saudações aos padres Marco e Carlino e beijando-lhe o anel sagrado, me considero

Obedientíssimo filho P. Faustino Consoni

(CARTA DO PE. FAUSTINO A SCALABRINI, 18/9/1904)

P.S. Tenho aqui uma carta registrada dos Estados Unidos que achei melhor segurá-la até a chegada de Sua Exc.a. em Santos, para que não seja perdida.


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

20/09/1904 | Scalabrini inaugura igreja em Encantado

20/09/1904, Terça-feira: Solene bênção e inauguração da Igreja Matriz de Encantado pelo próprio Dom Scalabrini.

21/09/1904 | Dom Scalabrini escreve uma Carta ao Pe. Attilio. Deixa saber que os missionários no Sul são apenas cinco.

21/09/1904, Quarta-feira: Scalabrini acha impossível parar a viagem em Encantado

Caro padre Attilio,

Antes de concluir a minha viagem quero enviar-te algumas vez, notícias. Talvez sem talvez, tu já as conheces, mas tê-las diretamente é ainda melhor.

A minha saúde, apesar dos cansaços causados pelas intermináveis viagens e por todo o tipo de fadigas, esteve sempre ótima e espero que Deus, por quem eu vim, continue conservando-a.

Visitei os Estados do Rio do Janeiro, de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina (muito rapidamente), e agora me encontro no estado do Rio Grande do Sul, estou a 400 milhas a Norte de Porto Alegre, capital do Estado. Fiz uso do meu pequeno cabedal linguístico, pregando em italiano para os italianos, em português para os nativos, em francês, em inglês, até em alemão. Tu nem podes imaginar quanto alegrava essa gente a Bênção Apostólica e as saudações que deixava em nome do nosso amado e venerado Santo Padre Pio X. Muitas vezes até eu tinha dificuldade de continuar, tão grande era a emoção, muitas vezes chegando às lágrimas. Acho que fiz um pouco de bem, e estou muito contente por ter sido instrumento do pensamento do Papa.

Este território tem a extensão de 100 milhas e aqui residem aproximadamente quarenta mil italianos, e é atendido só por cinco missionários nossos. É um trabalho que mata. Nunca teria imaginado. O Governador do Estado e o Bispo teceram os melhores elogios acerca dos padres. Mas são poucos ... envia, Senhor, operários para a tua messe!

Amanhã, às 6 horas, saio daqui para visitar as colônias de: Villas Boas Conde d'Eu, Bento Gonçalves, Alfrexlo Chaves, Caxias, Nova Bassano, Capoeiras, Montebello, Monte Vêneto e Virgínia.

Quem sabe quantas milhares de Crismas administrarei! Não te espantes. O bispo daqui deu-me todas as faculdades: trabalha, viaja, prega como um santo homem, mas a sua Diocese é quase grande como a Itália, quase não existem estradas e são cortadas por rios, anda-se a cavalo quase sempre por trilhas impraticáveis, barrentas, horríveis.

Ao saudares os teus colegas, lhes dirás que no Paraná e aqui se pensa que o Vêneto seja uma região abandonada, tantos são os Vênetos nestes dois Estados. Em geral, eles continuam bons católicos. Quantas igrejas e capelas eles construíram! Em Campo Comprido estão concluindo uma bela igreja dedicada à Imaculada, para recordar a exaltação ao trono Pontifício do seu muito amado Pio X. Será o santuário do Paraná. Prometi àquela boa gente de falar isso ao Santo Padre, que poderia enviar uma lembrança ou conceder ao Santuário algum privilégio.

Deveria ter escrito outra vez ao amado e venerado Pontífice, mas tinha medo de ser indiscreto. Eu sinto sempre uma grande alegria quando lhe devo escrever, mas o profundo respeito que tenho pela majestade do Vigário de Cristo, aconselha-me a me abster de tudo o que possa, mesmo de longe, parecer confiança e amizade.

Se tiveres oportunidade, sem buscá-la, de ver o Santo Padre, beija-lhe os santos pés por mim e diga-lhe que a sua Bênção é o maior tesouro, a maior luz e a maior força do meu trabalho.

Adeus, querido padre Attilio, muitas saudações à tua mãe e aos teus, reza e faça rezar por mim. No beijo santo.

Teu amigo em J.C.

+ Gio. Battista, bispo de Placência

P.S. Quando tiver terminado a missão daqui, vou a Buenos Aires e depois embarco, retornando à Itália. Quando tu receberes esta carta, eu estarei em alto mar, mais perto da Europa do que da América. Se o navio atracar em Nápoles, nos encontraremos em Roma, se for para Génova, irei direto para Placência. Adeus.


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

22/09/1904 | Dom Scalabrini decide não ficar apenas em Encantado

22/09/1904, Quinta-feira: Dom Scalabrini decide não ficar apenas em Encantado como tinha pensado a princípio e começa a visitar as colônias italianas. Após 7 horas de montaria chega a São Lourenço (Coronel Pilar), onde mora o Pe. Guiseppe Pandolfi.

25/09/1904 | Scalabrini fala sobre as Missões do Rio Grande do Sul

25/09/1904, Domingo: Scalabrini fala sobre as Missões do Rio Grande do Sul

Com lágrimas nos olhos!

De cada lugar aonde chego, envio uma carta. Não é algo com sabor de prodigioso? Parti de Encantado, quinta-feira, dia 22, e depois de cinco horas de viagem a cavalo, inesperadamente cheguei aqui. Esperavam-me no dia anterior, mas as chuvas tinham estragado os caminhos. Mal me viram, os colonos estouraram seus morteiros e ficavam atónitos e comovidos diante da minha coragem.

Na verdade, como escrevi anteriormente, eu tinha intenção de voltar a Porto Alegre, viajar para a Argentina e depois regressar. Mas estas afastadas colônias insistiram tanto e tanto, que não consegui resistir e por isso irei até Nova Bassano, a 200 milhas de Encantado.

Esta missão de São Lourenço, onde mora o bom padre Pandolfi, estende-se por uma área de trinta milhas, tem 20 núcleos de colonos, cada um com sua capela própria: Sagrada Família, Imaculada, São José etc... Esta última é constituída só de Cremoneses, que me prepararam uma simples, mas muito comovente acolhida. Com amor filial e com lágrimas nos olhos, pediram notícias do seu bispo, dos seus párocos, a maioria desconhecidos por mim. Duas famílias vindas da primeira paróquia onde trabalhou o padre Angelo Martinoli, cujo nome não recordo, ao saber que tinha falecido, desataram num pranto tão copioso que comoveram a todos, eu incluído.

“O justo terá memória eterna”, é mesmo o caso de repeti-lo. Pobre padre Angelo, tão bom, zeloso e tão provado pelos sofrimentos!

Segunda-feira de manhã partirei para Conde d'Eu, terça para Alfredo Chaves e Quarta-feira estarei em Capoeiras, onde reside o padre Seganfreddo.

Em todos os lugares, é claro, administro a Crisma. Nesta paróquia crismei 1500 pessoas, de todas as idades. O bispo daqui viaja, trabalha, mas tem uma Diocese quase tão grande como a Itália e, pela falta de estradas, lhe é impossível atender a todos.

A minha saúde está sempre ótima, como aquela do Carlo. Foi o pensamento de que Deus a está concedendo para que trabalhe para o bem das almas, que me levou a retardar de algumas semanas o meu retorno.

Sinto muito de não poder estar em casa pelo dia dos Santos. Mas paciência! Deixo Deus por Deus. Só poderei embarcar para Buenos Aires lá pelo dia 20 de outubro, caso consiga encontrar um navio que faça Porto Alegre Buenos Aires. Também neste Estado os nossos Missionários são muito estimados e trabalham como verdadeiros apóstolos. Cada missão tem 20, 30 núcleos, como as nossas paróquias de montanha, alguns distantes da sede até 6 horas a cavalo. Cada semana, os padres se dirigem a uma capela para confessar, pregar, ensinar o catecismo, batizar, regressando somente aos domingos. É um trabalho grandioso. Aqui e em toda a parte seriam necessários mais missionários. Que Deus envie operários para a sua messe.

É preciso que se interesse pela Missão na Catedral, certamente já o fez encontrando os pregadores. Ouça também a opinião do Capítulo, ou pelo menos de Dom Vinati, a quem dará muitas e cordiais saudações.

E a coadjutoria do padre Francesco foi feita? Para ele também, saudações sem fim; assim como a todos os Cônegos, ao pessoal da Cúria, aos párocos e a todos os que lembram do bispo que está distante.

Adeus. No beijo santo. Continue rezando e fazendo rezar por mim. Adeus, adeus.

Seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILIO — SÃO LOURENÇO, 25/9/ 1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

26/09/1904 | Dom Scalabrini chega a Garibaldi

26/09/1904, Segunda-feira: Dom Scalabrini chega a Garibaldi (Conde d’Eu). Passa anoite no convento dos capuchinhos de Savóia.

Garibaldi (Conde D'Eu) preparou uma acolhida triunfal

Meu caro secretário,

Não posso deixar de lhe enviar algumas palavras sobre esta maravilhosa colónia. Tendo partido às 7 horas de São Lourenço, acompanhado por uma multidão de gente a cavalo, a cavalo eu também, cheguei aqui às 12. Durante todo o percurso, ouviam-se o contínuo ribombar de morteiros e foguetes, o bimbalhar dos sinos das capelas localizadas ao longo da estrada; passar debaixo dos arcos de triunfo era uma coisa verdadeiramente bonita. A duas horas daqui veio ao encontro o prefeito (intendente) e um grande número de cavaleiros. Comovido, despedi os que me haviam acompanhado até então. A entrada na cidadezinha foi magnífica. Os alunos dos Maristas e as alunas das Irmãs de Seio José, uma multidão imensa, a banda, o repicar dos sinos, o estrondo dos canhões, dos foguetes, dos rojões, dos busca-pés, tornavam o cortejo algo de fantástico que comovia a todos. Fui à igreja paroquial, grande, mas não tão bonita, onde falei ao povo, agradecendo de coração.

Uma particularidade. Em todos os arcos estava exposta a fotografia do amado Santo Padre Pio X. Isto me trouxe uma consolação muito grande. Quem sabe o significado que quiseram dar a esta manifestação estes bons colonos! Os colonos amam Pio X com um amor intenso, filial, a ponto de chorar quando lhes falo em seu nome, e em seu augusto nome os abençoo. É o que está acontecendo também aqui. Veio ao meu encontro e se aproximou o agente consular, que reside em Bento Gonçalves, um certo sr. Luigi Petrochi, e me disse que deve tudo ao meu irmão Ângelo, a quem não tem coragem de escrever, mas suplicava-me de apresentar-lhe as suas saudações e os sentimentos de gratidão eterna. Façam-no saber. São tão poucas as pessoas agradecidas! Amanhã de manhã parto para Alfredo Chaves e, como aqui, vou pernoitar no convento dos capuchinhos de Savóia, gente boa e santa. São 54 quilómetros, mas desta vez irei de carroça. Quarta-feira, às 10 horas, estarei em Capoeiras. De lá lhe escreverei.

Não multiplico as palavras, porque receberá este rascunho com a carta que lhe escrevi em São Lourenço.

No beijo santo, você e o padre Francesco. Oremos.

Seu em J.C.

*Gio. Battista, bispo

(CARTA DE SCAIABRINI AO PADRE CAMILLO, GARIBALDI, 26/9/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

27/09/1904 | Scalabrini deixa Garibaldi

27/09/1904, Terça-feira: Deixa Garibaldi (Conde d’Eu) e vai para Bento Gonçalves e depois a Alfredo Chaves (Veranópolis), hospeda-se com os Capuchinhos.

28/09/1904 | Deixa Alfredo Chaves e chega a Nova Prata

28/09/1904, Quarta-feira: Deixa Alfredo Chaves (Veranópolis) e às 10 horas chega a Nova Prata (Capoeiras), missão scalabriniana que estava sob a direção do Pe. Antonio Seganfredo, venerado pela população.

Em Nova Prata (Capoeiras), Scalabrini exalta afigura do Pe. Seganfreddo

Caro o meu caro padre Camillo,

Uma cartinha também deste lugar. Tendo partido terça-feira às 07 de Conde d'Eu, cheguei em Bento Gonçalves às 10, e fui conduzido num cortejo triunfal à igreja, onde falei para aquela colónia. Em seguida prossegui o caminho para Alfredo Chaves, distante 54 quilômetros. Viajei num carro deveras primitivo, em companhia de Carlo e do padre Marco e pernoitei, como já disse, com os Capuchinhos. Estou aqui desde as dez da manhã, sendo recebido com as costumeiras manifestações de festa e alegria. Essa missão é extensa como uma de nossas dioceses, com 20 capelas; prevê-se para breve um crescimento muito grande da população. Agora tem aproximadamente 10 mil habitantes. O padre Seganfreddo tem necessidade urgente de um companheiro. Imagine que para chegar de um extremo ao outro da missão são necessários quatro dias a cavalo; e muitas vezes ao chegar de um lado é chamado para o outro, sempre distante. Ficarei aqui até sábado para administrar as Crismas e para tratar de outros assuntos. Às 12 horas partirei para Nova Bassano, distante apenas quatro horas. Estou hospedado numa casa nova de madeira onde prepararam o meu alojamento com Carlo e o padre Marco. Há uma belíssima igreja, quase terminada, dedicada a São João Batista e que abençoarei solenemente amanhã ou depois de amanhã. É obra do bom padre Seganfreddo, o qual com seu zelo e sua piedade conquistou a veneração de todos. A saúde está ótima, apesar da longa viagem e da chuva torrencial que nos acompanhou durante os 54 quilómetros de viagem. Hoje o tempo melhorou. Saúdo-o e ao padre Francesco, mas quero enviar as minhas cordiais saudações ao Angelo, a Sofia e Camilla, a Luiza e Alessandro e Peppino, a Pietro e Paolina, ao padre Attilio, à sua mãe e aos seus. Adeus. Abraço-os e os abençoo. Orai, irmãos.

Todo vosso

Gio. Battista, bispo

(CARTA A PADRE CAMILLO, NOVA PRATA, 28/9/ 1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

01/10/1904 | De Nova Prata Dom Scalabrini seguiu para Nova Bassano

01/10/1904, Sábado: De Nova Prata (Capoeiras), Dom Scalabrini seguiu a cavalo para Nova Bassano. Esta colónia foi fundada pelo falecido padre Colbachini, “enterrado na linda igreja, com três naves, de estilo gótico, que abençoarei solenemente”.

02/10/1904 | Scalabrini chega a Nova Bassano

02/10/1904, Domingo: Scalabrini chega a Nova Bassano

Scalabrini chega a Nova Bassano, acompanhado por um exército de cavaleiros.

Meu padre Camillo,

Ontem parti de Capoeiras e cheguei aqui depois de quatro horas a cavalo. A viagem foi muito agradável. O tempo estava lindo. A estrada serpenteava por entre matas virgens. Acompanhava-me um exército de cavaleiros. Passava-se sob os arcos triunfais. Os moradores dos núcleos vizinhos acorriam cheios de emoção para receber a bênção, tudo nos sorria.

Mas, meia hora antes de Bassano, justo no momento do encontro com a banda e com o povo, um furioso vendaval transtornou a marcha triunfal e chegamos molhados e cobertos de lama. Eu tinha um impermeável. Não sofri nada. Hoje ao meio-dia o tempo se fez bonito e acho que se firmará.

Esta colónia foi fundada pelo falecido padre Colbachini, enterrado na linda igreja, com três naves, de estilo gótico, que abençoarei solenemente. Também esta missão é vasta. Tem 30 núcleos coloniais, cada um com sua própria igreja, visitados a partir do centro. Alguns estão a um dia a cavalo. Um destes é o de São Jorge, inteiramente formado por paroquianos do nosso querido arcipreste padre Camillo Chiapperini, a quem peço que leve as minhas saudações. Eles são fiéis às tradições do seu torrão natal; construíram a igrejinha dedicada ao seu antigo patrono, e uma casinha para o missionário. Esteve aqui, faz alguns dias, o padre Eugênio, ele me garantiu que confessou a todos e distribuiu a comunhão. São umas trinta famílias, de São Jorge ou das redondezas.

Em geral por aqui os nossos italianos se conservam bons e deles se ouvem elogios por toda parte. Partirei de Nova Bassano no dia 05 do corrente, tendo assim terminado o meu programa. Mas como lhe escrevi, foram vivos e insistentes os pedidos das outras colônias que deverei ficar aqui até o dia 20 do corrente. Naquele dia começarei a viagem de regresso: Porto Alegre, Buenos Aires e Placência.

Que Deus continue dando-me a sua paterna proteção! Adeus. Saúda 0 nosso padre Francesco, Vinati, Rossignoli, Rossi etc.

No beijo santo. Rezemos sem cessar.

Todo seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo

(CARTA A PADRE CAMILLO, NOVA BASSANO, 02/10/ 1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

04/10/1904 | Padre Faustino pede para que Scalabrini passe de novo por São Paulo.

02/10/1904, Terça-feira: Padre Faustino pede para que Scalabrini passe de novo por São Paulo.

Excelência!

Obediente ao telegrama recebido ontem de noite, estou enviando junto com esta carta toda a correspondência de Sua Exc.a. que se encontrava aqui parada, constituída de 12 cartas e 5 cartões postais, além de um pacote de jornais.

A razão pela qual tinha segurado aqui as cartas, deve-se ao itinerário primitivo feito por Sua Exc.a. Reverendíssima, segundo o qual a esta hora o teríamos de volta aqui.

Nas cartas acima deve estar a resposta de Sua Exc.a. Reverendíssima, Dom Duarte de Curitiba, além de duas cartas registradas, vindas da América do Norte, e eu envio uma cópia do autógrafo de Sua Santidade, o Papa Pio X, com o qual abençoa a nossa obra e aquela dos nossos benfeitores com a oferta de mil liras (as mil liras foram seguradas pelo padre Mangot, que as entregou ao Prof. Delle Piane para as despesas dos novos missionários que deverão vir para o Brasil).

Hoje me limito a escrever poucas coisas, querendo não perder a coincidência do barco a vapor “Santos” que parte amanhã; mais tarde escreverei outra carta mais detalhada. Por enquanto me apresso a levar ao conhecimento de Sua Exc.a. Reverendíssima que os beneditinos querem aproveitar para fazer a exposição de um Mosteiro em Placência. Por isso o reverendo Dom Miguel Kruze teria um grande desejo de encontrar-se com Sua Exc.a.. Seria oportuno então que eu fosse avisado em tempo do dia exato do retorno de Sua Excelência a Santos para poder encontrar-nos todos lá e colocar as bases principais desta ideia.

Desejaria ardentemente que Sua Exc.a. tivesse um dia disponível, para aqui discernir alguns casos pendentes, e ao mesmo tempo para ver o autógrafo de S.S. Pio X, que também se dignou, acolhendo um pedido do nosso Padre Rabaioli, enviar 200 liras para a construção da igreja de Ribeirão Pires. Esta soma foi enviada através do Secretário particular, Dom Bressan, acompanhada de uma carta muito cordial.

Todas essas coisas quereria ter o tempo para mostrar à Sua Exc.a. ilustríssima. Quanto à questão do Reverendo Canônico Augusto Lessa, ele mostrará o documento que foi feito, motivado por mim. Também isso terá que ser feito depois do seu retorno.

Estou à espera de notícias, e sobretudo, desejo conhecer o novo itinerário estabelecido.

Com os respeitosos cumprimentos de todos os padres, Irmãs, crianças, secretário, que está ansioso por revê-lo, professores e operários; prostrado aos seus Pés, beijo o sagrado anel e, com obséquios ao Reverendo Padre Marcos, sou

De Sua Exc.a. ilustríssima e reverendíssima

Filho afetuoso e obediente

Padre Faustino Consoni, Miss.

(CARTA DE PE. FAUSTINO A SOMBRINI, 4/ 10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

07/10/1904 | Migrantes italianos e poloneses são maioria em Alfredo Chaves

07/10/1904, Sexta-feira: Vivem aqui (Alfredo Chaves - Veranópolis) mais de 100 mil italianos, alguns milhares de polacos e somente algumas famílias de ‘brasileiros’.

08/10/1904 | “Sábado crismei 2.153 pessoas”

08/10/1904, Sábado: “Sábado crismei 2.153 pessoas”

Exc.a. Reverendíssima!

Espero que tenha chegado pontualmente às mãos da Sua Excelência a correspondência que chegou aqui e que foi despachada para o bispado de Porto Alegre, conforme as orientações recebidas pelo telegrama. Ao mesmo tempo desejo que Sua Excelência Reverendíssima e todos os nossos queridos coirmãos continuem gozando de ótima saúde. Felizes eles por terem em seu meio o muito amado superior geral.

Anteontem tive oportunidade de visitar o Excelentíssimo bispo do Espírito Santo, jovem culto e muito gentil. Ele demostrou estar não só Contente, mas entusiasta com os nossos missionários, dizendo que desejaria pelo menos outros três. (...)

E agora, permita-me, Exc.a. Reverendíssima, que aproveite também eu da mudança do itinerário do seu regresso à Itália e lhe faça um pedido em nome de todos nós, que gostaríamos gozar de sua companhia um pouco mais, mas sobretudo com o objetivo de completar o grande bem que Sua Excelência veio semear entre nós com a sua santa presença. O seu retorno a São Paulo, mais ou menos, vai coincidir com o final do corrente mês e com o início do mês de novembro. No dia 4 é a festa do nosso Santo Protetor e justamente naquele dia, nós aqui na capela do Instituto do Ipiranga devemos abençoar e inaugurar a nova estátua do milagroso São Carlos, feita por um hábil artista, expressamente para esta ocasião. Será negado por Sua Exc.a. Reverendíssima, nesta bela oportunidade que se oferece, o supremo favor que a festa seja feita com sua presença e com aquela do Excelentíssimo bispo de São Paulo que, com alegria o acompanharia? Certamente não! (...)

Prostrado aos seus pés imploro a Bênção para todos.

Seu afetuosíssimo e obediente filho em J.C.

Pe. Faustino Consoni. Miss. de São Carlos

(CARTA DE PE. FAUSTINO A SCALABRINI, 8/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

09/10/1904 | Nos 4 dias em Veranópolis crismou 5 mil pessoas

09/10/1904, Domingo: Em Veranópolis (Alfredo Chaves) Scalabrini fica comovido

Meu padre Camillo,

Cheguei aqui quarta-feira, dia 5, vindo de Nova Bassano, sendo acolhido triunfalmente por esta colónia italiana. 400 homens a cavalo vieram ao meu encontro 4 ou 5 quilómetros antes da chegada. Estavam presentes as autoridades civis (este é um município autónomo), o clero com o povo em procissão, banda, muitos arcos de triunfo, enfeites, mensagens. Levaram-me para a igreja e do altar saudei, comovido, a população. Nestes quatro dias crismei 5 mil pessoas, hoje às dez celebrei a Missa solene, com homilia de ocasião. Se a emoção dos ouvintes e suas lágrimas fossem sinal de eloquência' diria quase que fui muito eloquente; mas sei muito bem que elas provêm outras causas. A bênção do Santo Padre Pio X produz sempre um efeito maravilhoso.

Amanhã partirei para Bento Gonçalves, a 42 quilómetros, de carroça antiga, mas não importa, é sempre melhor que ir a cavalo. Vou parar uma hora no núcleo São João Batista para benzer o cemitério: o pessoal me suplicou chorando. Ele se encontra ao longo do caminho. A parada servirá como um momento de repouso.

Esta missão de Alfredo Chaves já foi nossa, mas devido ao pequeno número de missionários, foi cedida aos capuchinhos de Sabóia, com os quais passei dias muito alegres.

Quanto à saúde, eu mesmo me admiro, estou sempre muito bem. E Deus que vê e provê. Pense que sábado crismei 2.153 pessoas, sem sentir o menor cansaço. Também o barão está muito bem.

Agora o itinerário está definitivamente estabelecido: de Alfredo Chaves vou para Bento Gonçalves, depois a Conde d'Eu, depois a Caxias, em seguida a Porto Alegre e à Argentina, para embarcar para a Itália nos primeiros dias de novembro.

Adeus. Quando você ler este rascunho com o padre Cecchino, eu estarei em alto mar.

Abraço-o e abençoo a todos. Saúda cada um dos reverendos Cônegos, os superiores do colégio e dos seminários, os párocos, o pessoal da cúria e quantos recordam o bispo que está distante. Adeus, adeus.

Todo seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo de Placência

(CARTA A PADRE CAMILLO, VERANÓPOLIS, 9/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

10/10/1904 | Dom João Batista Scalabrini retorna a Bento Gonçalves

09/10/1904, Segunda-feira: Dom João Batista Scalabrini retorna a Bento Gonçalves

12/10/1904 | Scalabrini afirma que foi uma ótima ideia visitar os colonos!

12/10/1904, Quarta-feira: Bento Gonçalves. Scalabrini afirma que foi uma ótima ideia visitar os colonos!

Meu caro responsável.

Reconheço que foi uma ótima inspiração aquela de parar para visitar estas colônias italianas do Rio Grande do Sul. Foi feito um bem muito grande. Em Alfredo Chaves tive a alegria de receber a abjuração do protestantismo da família Busnelli, que ainda em Treviso se filiara à seita. Estavam presentes na minha chegada e, Igreja de Santo António, em Bento Gonçalves a partir das poucas palavras de saudação ditas na igreja matriz, a graça de Deus os tocou e todos voltaram à Igreja: 14 pessoas, com exceção do velho pai que também se mostrava muito respeitoso para comigo, no último dia. Que a misericórdia de Deus lhe seja copiosa.

Cheguei aqui na segunda-feira, dia 10 do corrente. É impossível descrever o entusiasmo desta colônia. Um exército de gente a cavalo, os enfeites, as aclamações, até dentro da igreja, um verdadeiro triunfo. E pensar que estes centros estão cheios de protestantes com suas igrejinhas e muitos maçons com suas lojas. A maioria da população, porém, se conserva católica e católica fervorosa. Este território se estende por quase 200 quilómetros de comprimento e aproximadamente 150 de largura, é constituído por três vales, formado pelos rios Carreiro, das Antas e Prata.

O vale do Carreiro compreende as missões de Encantado, São Lourenço, Figueira de Mello, Santa Teresa, Monte Bello, Monte Vêneto, Nova Bassano, São João Batista do Herval, contando mais de cem capelas nos núcleos coloniais. Este vale é atendido pelos nossos bons Missionários de São Carlos,

O vale do Prata, também é atendido pelos nossos Missionários; é um território imenso que apenas está iniciando a se povoar. Tem aproximadamente 5 ou 6 mil habitantes.

O vale das Antas, que compreende Conde d'Eu, Bento Gonçalves, Alfredo Chaves, António Prado e Caxias, é atendido pelos capuchinhos e pelos padres diocesanos.

É maravilhoso saber que até 1876 todo este território era habitado só pelos índios; agora vivem aqui mais de 100 mil italianos, alguns milhares de polacos e somente algumas famílias 'de brasileiros', empregados que tiveram de aprender o italiano que é a verdadeira língua da região.

Se o nosso Governo mandasse professores, o futuro destas colônias estaria garantido. Recebi e continuo recebendo inúmeros pedidos vindos de numerosas colónias desejosas de ser atendidas pelos Missionários de São Carlos. Mas, como fazer? Para manter as que temos é necessário enviar o quanto antes pelo menos mais meia dúzia de padres; por isso não posso atendê-las pelo menos neste momento. Porém, que alegria saber e sentir o quanto são amados e venerados aqui os nossos Missionários! Mas isto também me faz sofrer, sabendo que não temos o número suficiente para vir ao encontro de tantas graves e urgentes necessidades.

Amanhã partirei para Conde d'Eu, onde administrarei as Crismas e domingo celebrarei a ordenação sacerdotal dos Capuchinos, que aqui têm um convento com o noviciado. Segunda-feira, dia 17, irei a Caxias, a última colónia a ser visitada e de lá seguirei para Porto Alegre, aonde chegarei no dia 22. Escreverei dos dois lugares.

Aqui estamos como fora do mundo; nenhuma notícia, senão com muito atraso. Não vejo jornal, não sei nada de nada, e apesar disso, sinto-me muito bem, trabalhando por Deus e pelas almas. Talvez receberá de uma só vez diversas cartas confirmando que a minha saúde está sempre ótima. É Deus que pela sua bondade a conserva, apesar das fadigas incessantes e os grandes incômodos.

Adeus, padre Camillo. Adeus padre Francesco, Adeus; o primeiro saúde por mim os Cônegos, o outro saúde um por um os beneficiários. Rezem por mim que os abençoo com muito prazer, do fundo do coração.

Seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo

(CARTA A PADRE CAMILLO — BENTO GONÇALVES, 12/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

13/10/1904 | Retorna a Garibaldi

13/10/1904, Quinta-feira: Retorna a Garibaldi (Conde d’Eu).

16/10/1904 | Deixa Garibaldi

13/10/1904, Domingo: Em Garibaldi (Conde d’Eu) administrou a crisma e celebrou a ordenação sacerdotal dos Capuchinos.

17/10/1904 | Pernoita com o pároco de Nossa Senhora do Caravaggio

17/10/1904, Segunda-feira: Caravaggio: Maria, a Mãe que nos cativou!

Convidado pelo vosso digníssimo Pároco a dizer-vos algumas palavras sobre Maria, falar-vos-ei de acordo com o que me ditará o coração.

Se, na alegria do meu espírito, me pergunto qual é o motivo da vossa numerosa afluência, da vossa piedosa procissão que vi com emoção, do júbilo sereno que brilha em vosso semblante, dessa religiosa piedade que vos anima, eu sinto ressoar em tudo o que nos circunda o nome de uma Mãe divina; vejo uma multidão de filhos que me apontam a venerada imagem daquela que os anjos saúdam como sua rainha e os homens proclamam como sua alegria e glória do novo Israel. Tu, a glória de Jerusalém, tu, a honra do nosso povo!

Maria Santíssima, Mãe de Deus e Mãe nossa! Eis a criatura que, aparecendo no mundo envolta em luz divina, cativou as mais sublimes inteligências e atraiu todos os corações. Eis a Mãe dos homens que, elevada sobre um trono glorioso, enfeitado para ela com coroas colhidas entre as mais esplêndidas, com o amor, a arte, as bênçãos dos povos, é carregada em triunfo eterno através das vicissitudes e quedas dos impérios e das gerações humanas! E eis a causa da alegria comum, ó meus caros ouvintes.

Este ano todo o mundo se move e se comove em torno de Maria: é fé, é alegria, é entusiasmo. Um grito impossível de conter, imenso, irresistível prorrompe de todos os peitos, ressoa concorde em todas as línguas, repercute em todas as partes da terra: Viva Maria! É este grito que se repete hoje, se repetirá amanhã, se repetirá sempre, até o fim do mundo.

Nenhum grito, ó meus amados irmãos, é mais afetuoso, mais santo, mais oportuno; porque, não obstante as zombarias do incrédulo e os sorrisos de desdém do ímpio, a verdadeira devoção a Maria testemunha algumas grandes e solenes verdades e dessa maneira oferece um remédio mais eficaz, sempre que a maldade humana não o recuse, para as grandes chagas do nosso tempo.

E quais são essas chagas? Um racionalismo orgulhoso de diferentes seitas, que nega o pecado original, exalta excessivamente as forças do homem e faz de si mesmo o critério da verdade, a norma do bem e a fonte de toda a felicidade humana, eis o erro capital da nossa época.

Um crasso materialismo, que não faz caso da consciência e da honra, que não busca senão gozar e enriquecer-se: enriquecer-se como meio e gozar como fim, eis o vício capital da nossa idade.

A volta a Jesus Cristo, o único Salvador do mundo, o caminho, a verdade, a vida das almas, eis a suprema necessidade dos nossos tempos.

Mas, como satisfazer esta necessidade, como destruir este vício, dissipar este erro? Elevemos, meus irmãos queridos, elevemos a sagrada imagem de Maria, e nela, como que fixando o nosso olhar num raio de uma estrela amiga, encontraremos a humildade da mente, a dignidade do coração, a obediência amorosa a Jesus Cristo.

Em seus privilégios muito singulares, reconheceremos a condição infeliz e a corrupção original dos pobres filhos de Adão; na pureza, na candura' na celeste beleza da sua alma, veremos o aviltamento de um coração ávido e sensual; no milagre das suas divinas grandezas, a necessidade e os benefícios de um Deus Redentor.

  3.Quando se fala de Maria, a alma se eleva aos pensamentos alegres o coração palpita em doces emoções, um raio de esperança brilha sobre a fronte novamente serena. Na presença desta excelsa senhora, linda como o paraíso, que com materna ternura nos estende os braços e nos convida ao seu coração, quem não se sente confortado? Quem se recusa a lançar-se entre seus braços, como a criança ao colo de sua mãe?

Não existe coisa alguma, por quanto grande e desejável, que não possamos esperar dela. Jamais ela se deixa vencer em generosidade. Encontram se junto a mim, ela nos diz, todos os tesouros das riquezas celestes, para que eu os dê a quem me honra e me ama: "Estão comigo as riquezas para que torne ricos os que me amam".

Honrar a Virgem é o mesmo que assegurar-se seu patrocínio, impetrar suas graças para a Igreja, apressar o seu triunfo.

Sim, sim, nos grita com um tom cheio de misteriosa confiança o doce, forte, suavíssimo Pontífice Pio X.

Pode rugir a tempestade, o céu pode cobrir-se novamente de nuvens, diz ele, mas ninguém se assuste. Se olharmos para Maria, o Senhor se aplacará e nos perdoará tudo. O arco-íris aparecerá entre as nuvens, eu o vejo, e as águas do dilúvio não voltarão mais a exterminar os viventes. Oh, certamente, se tivermos verdadeira confiança em Maria, a Virgem poderosíssima esmagará sempre, com seu pé virginal, a cabeça da serpente.

Oh sim, que se realizem esses votos! E nós, ó meus amados irmãos, apressemos seu cumprimento na medida das nossas forças. Unamos nossas vozes num só coro de admiração e louvor e todos juntos, com entusiasmo filial e cheios de confiança em Nossa Senhora do Rosário, digamos:

Ó Virgem Santíssima do Rosário, que sois o nosso refúgio e a nossa esperança, guardai-nos benignamente e impetrai-nos do vosso divino Filho a graça de vivermos como verdadeiros cristãos, livres de toda culpa. De modo especial, protegei a nossa juventude, afastando dela tudo o que pode corromper-lhe a inocência e a fé.

Protegei a Igreja e o seu augusto Chefe, dai-lhe a força de que ele necessita para levar a bom termo a urgente obra da restauração universal em Cristo, para a salvação das almas e também da sociedade civil.

Ó bendita do céu e da terra, iluminai as mentes, reconfortai os corações, apagai o ódio, dai-nos a paz. Ó mãe piedosa, socorrei os infelizes, dai alento aos desanimados, fortalecei os fracos, consolai aqueles que choram, intercedei em favor do clero e do povo, do rebanho e do pastor, e fazei que, depois de ter-vos amado e glorificado na terra, possamos amar-vos, louvar vos e bendizer-vos também no céu, pelos séculos dos séculos. Amém.

E agora uma alegre notícia: o Sumo Pontífice Pio X se dignou de me encarregar para trazer-lhes a sua bênção Apostólica...

(Homília sobre Nossa Senhora, proferida no Santuário de Caravaggio, 17/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

18/10/1904 | Visita Caxias, considerada a colónia italiana modelo

18/10/1904, Terça-feira: Caxias, a pérola das Colônias italianas!

Caríssimo padre Camillo,

Uma palavra também deste lugar, a pérola das colónias italianas. No falar do povo, esta grande colônia é chamada de “Campo dos Bugres”, justamente porque aqui, onde se ergue a populosa cidade, até 1876, eles tinham seu principal acampamento. Todo o território era floresta virgem e aqui para estabelecer-se, os colonos foram obrigados a derrubar a floresta. É algo verdadeiramente maravilhoso, repito, que este território, que como lhe disse, era tudo floresta, em menos de 30 anos tenha sido transformado numa terra cultivada, civilizada, com escolas, igrejas, frades e irmãs, parecendo estar num lugar habitado, há um século pelo menos, por um povo civilizado. Com razão admiramos aqui a criatividade italiana, que é capaz de transformar um deserto, covil seguro de leões e tigres, num lugar cheio de beleza e de muitas plantações.

Cheguei aqui hoje de manhã depois de dois dias de viagem, pernoitando junto ao pároco de Nossa Senhora do Caravaggio, um ótimo sacerdote do Colégio Brignole-Sale de Gênova. Celebrei a Santa Missa com a presença da população. Depois da minha chegada às 17 horas, muitos permaneceram no lugar sagrado toda a noite para participar da Santa Missa, não podendo voltar às suas casas, devido às grandes distâncias. Que fé, e que vergonha para muitos dos nossos!

A minha chegada aqui em Caxias foi espetacular: quiseram fazer mais que os outros, orgulhando-se muito de ser considerada a primeira e a mais civilizada das colónias italianas. Pronunciei um discurso comovido na grande e belíssima igreja e acabo de crismar uma centena de jovens. Continuarei amanhã e depois de amanhã e sexta-feira, dia 21, partirei para Porto Alegre, viajando um dia inteiro de carroça primitiva e no dia seguinte terei 10 horas de barco sobre o rio Caí.

Recebi sua carta do dia 16 de agosto, no dia 16 de outubro. Dois meses depois!

Adeus. Saudações cordiais ao Pe. Cecchino e a todos. Rezem todos por mim!

Todo seu em J.C.

+Gio. Battista, B. de Placência.

(CARTA A PADRE CAMILLO — CAXIAS, 18/ 10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

21/10/1904 | Deixa as colônias e dirige-se a Porto Alegre

21/10/1904, Sexta-feira: Deixa as colônias e dirige-se a Porto Alegre.

23/10/1904 | Chega a Porto Alegre após uma cansativa viagem

23/10/1904, Domingo: Scalabrini em Porto Alegre: que Deus fecunde a boa semente!

Caríssimo responsável,

Depois de 40 dias de atividades incessantes nas colónias italianas, vim para cá, viajando dois dias inteiros, um por terra e outro por água no rio Caí. Encontrei no bispado, as vossas cartas dos dias 12 e 23 de agosto e aquela de 2 e 5 de setembro, com os jornais, uma carta de Dom Vinati, do padre Lodovico e do ótimo advogado Calda e do nosso querido padre Francesco. A todos, os meus cordiais agradecimentos e as minhas mais preciosas bênçäos. Neste momento chega também uma carta de Dom Dallepiane do dia 22 de agosto, e estamos no dia 23 de outubro! A ele também votos de muitas coisas alegres. Pois ele é alegre.

Antes de deixar Caxias, fui alvo de muitas manifestações. Tive que falar na praça respondendo a um discurso; havia iluminação pomposa, música, 'vivas' indiscritíveis de alegria. Creio ter feito um pouco de bem e de ter deixado uma boa impressão. Que Deus fecunde a boa semente espalhada em meio a muitos suores!

Amanhã farei uma palestra aos italianos desta cidade e depois partirei para Buenos Aires. Este é o motivo porque não posso responder a todos pessoalmente, como desejaria. Façam vocês a minha parte. E desculpemme junto a todos.

Antes de receber esta carta, receberão o telegrama, de Buenos Aires, anunciando a minha partida.

Quanto ao resto, não nos façamos ilusões. Trabalhemos somente por Deus, com Deus e em Deus e tudo será coroado de pleno êxito.

A minha saúde e aquela de Carlo, estão sempre ótimas, graças a Deus.

Adeus; talvez seja esta a minha última carta daqui. Adeus, saudações e pêsames ao padre Francesco. Amanhã rezarei a Missa pela sua saudosa tia.

Rezemos.

Todo seu

+Gio. Battista, bispo

P.S. Recebi os endereços dos meus queridos padres que fizeram o Retiro em São Lázaro e em Bedonia e aqueles que se encontravam em Salsomaggiore pelo sufrágio anual do Card. Alberoni. Comovido, agradeço e abençoo a todos do íntimo do coração. Caberá muito bem um agradecimento muito cordial no jornal 'Lavoro'.

(CARTA A PADRE CAMILLO) — Porto ALEGRE, 23/ 10/ 1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

24/10/1904 | Discurso aos italianos residentes em Porto Alegre

24/10/1904, Segunda-feira: Scalabrini é recebido com muito carinho em Caxias

"O Cosmopolita" (Jornal de Caxias, 24/10/1904)

"Na terça-feira desta semana, mais de quinhentas pessoas a cavalo, em carroças ou em diligências foram recepcionar Dom Scalabrini em frente ao estabelecimento balneário do nosso amigo Aristides Germani, a três quartos de hora de distância da cidade.

À frente do cortejo, vinha o Pe. Cármine Fasulo, seguido pelos padres Teodoro Anstad, Josué Bardin, Julio Scardevelli, Jaime Brutomesso, Francisco M. (Capuchinho), José Zamboni, e pelos monges Camalduenses Ambrósio, Mauro e Miguel, que precediam a carruagem do ilustre prelado. Na retaguarda, avançavam cinco elegantes carruagens com damas e jovens, enquanto outras senhoras cavalgavam fogosos ginetes. Por fim, uma fila de pessoas a cavalo.

Chegando à altura do Penegaz, donde se descortina a colina sobre a qual se estende majestosa a sede das pérolas das colônias, Sua Excelência passou para a carruagem do Sr. Hugo Ronca. Seu ingresso na cidade ocorreu às 11 horas.

No começo da rua Pinheiro Machado, os alunos dos colégios das Irmãs, da Professora Alice Neves e do exímio Prof. Ancarani saudaram o ilustre hóspede, cobrindo-o de pétalas de rosas.

Deste ponto até a igreja, na Praça Dante, as ruas estavam esplendidamente ornamentadas com arcos, folhagens e bandeirolas. Neste longo percurso, das janelas das casas pendiam panos brancos colocados sobre tapetes das mais variadas cores, e o belo sexo saudava agitando lenços brancos. No momento da entrada no majestoso templo, o coral entoou um canto harmonioso.

Terminadas as funções de estilo, o Pe. Cármine leu um bonito discurso. Depois Sua Excelência ocupou a tribuna e, com voz robusta e clara, falou demoradamente, manifestando sua satisfação ao constatar que, nestas paragens distantes, seus compatriotas tinham encontrado dois elementos indispensáveis para a vida: o pão e a liberdade.

Dentre os brilhantes trechos do discurso de Sua Excelência, que é um exímio orador, destacamos estes:

'Enquanto que na Ásia, na África e na própria Europa, as lutas pela conquista e pelo poder chegam a derramar o sangue dos irmãos, aqui na América, seus vastos campos, seus verdes bosques e florestas, seus cursos perenes de água cristalina formam um amálgama de paz, de ordem e de progresso, que é o lema da bandeira desta República, na qual seus filhos se sentem tão felizes!'

Em tudo o que viu e observou na América, Sua Excelência vê a mão de Deus, que acompanha o povo italiano, pois foi um italiano que descobriu esta parte do globo para o bem dos irmãos.

No fim, Sua Excelência recomendou vivamente a seus compatriotas de amarem sua segunda pátria — respeitando suas leis e colaborando para o progresso e a tranquilidade da vida presente — e de amarem a Deus, servindo-o como bons cristãos, para a tranquilidade da vida futura.

Quarta-feira, às 17 horas, o pároco Cármine, ofereceu um banquete à Sua Excelência, na casa paroquial; estavam presentes as autoridades civis, o sr. Panegaz, e outras figuras ilustres da sociedade Caxiense.

Às 20 horas, uma enorme massa de povo, precedida por uma banda musical, à luz dos fogos de artifício, realizou-se uma grande manifestação em honra à Sua Excelência. Após a palavra do sr. Ancarani, falou Dom Scalabrini, que ainda uma vez fez ouvir sua voz límpida e convincente no belo idioma de Dante.

Ontem, às 6 horas da manhã, Sua Excelência prosseguiu viagem, numa carroça, para Caí. Dom Scalabrini declarou que levava de Caxias as recordações mais agradáveis e que Caxias, já definida 'pérola das colónias', é sem dúvida, a 'capital das colónias italianas'.


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

26/10/1904 | Dom Scalabrini escreve uma carta ao Pe. Faustino Consoni

26/10/1904, Quarta-feira: Scalabrini diz ao padre Faustino que gostaria muito voltar a São Paulo

Caríssimo padre Faustino,

Fico muito contente ao saber que o Papa Pio X se dignou responder logo à sua carta e com provas tão eloquentes do seu afeto paterno. Deus seja louvado!

Fiquei muito contente com as colônias italianas daqui e do trabalho dos nossos missionários. São muito amados e estimados pelo bispo; porém, são poucos: que Deus envie operários para a sua messe.

O Pe. Marco encontra-se há duas semanas em Curitiba, porém, a questão de Santa Cruz das Palmeiras, resolva-a você com seus conselheiros. Claro que precisará medir aquilo que temos forças para assumir e aquilo que não conseguimos levar adiante, mas faz bem ter uma dose de coragem organizada e empreendedora. O ótimo padre Vicentini, com seus conselhos calmos e ponderados, poderá ajudá-lo.

Vou enviar ao bispo de Pescia aquilo que você me disse sobre a pessoa apresentada. Ele ficará contente.

O revoltado Prof. Parmiggiani poderá abusar da ingenuidade dos simples, mas não dos meus cartões. Esses não valem nada e não há necessidade de pedido de perdão ou de explicações para quem quer que seja.

Com quanta alegria passaria por lá pela festa de São Carlos. Reencontrar você e todos os outros; agradecer mais uma vez ao venerável bispo, a quem apresentará você as mais cordiais saudações, seria para mim uma coisa maravilhosa! Mas sequer tenho condições de prometer-lhe algo. Amanhã partirei para Rio Grande; mas quando poderei embarcar para a Argentina e de lá para São Paulo e para Itália? Todas as coisas parecem incertas. porém, lhe telegrafarei, como disse, de Buenos Aires.

Adeus; Saudações e bênçãos a todos e a cada um. Rezemos um pelo outro.

Todo seu em J.C.

+Gio. Battista, bispo, S.G.

(CARTA A PADRE FAUSTINO — PORTO ALEGRE, 26/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

27/10/1904 | Retorna à cidade de Rio Grande onde deve aguardar a embarcação para Buenos Aires

27/10/1904, Quinta-feira: Scalabrini sente que há uma esperança no horizonte

Meu caro padre Massimo,

Muito obrigado pela sua carta tão cordial, trazida pelo Pe. Domenico. Mesmo apressado devido à partida que acontecerá hoje, a uma da tarde, não quero deixar de escrever-lhe uma palavrinha de despedida afetuosa, cheia de esperança frente ao futuro, para a Glória de Deus e o bem das pessoas.

Estou muito contente com os nossos missionários, como, aliás, muito contente está também o Senhor Bispo, ele nos oferece o território de Esperança e uma igreja aqui na cidade. Se Deus nos mandar bons operários tomaremos as devidas providências. Por enquanto, nos entrega Monte Belo e Monte Vêneto, permitindo que o Pe. Eugênio fique uma semana em cada paróquia, alternadamente. Já falei com o Pe. António Serraglia a esse respeito. Pode dar a eles o Uso de Ordens em nome deste Venerando Pastor, que concede as devidas faculdades de acordo com as necessidades.

Adeus; reze a Deus por mim, sobretudo durante a Santa Missa. Dou-lhe a minha bênção e com você abençoo o Pe. Enrico e todos os outros.

No beijo santo.

Seu afetuosíssimo em J.C.

+Gio. Battista, Bispo, S.G.

(CARTA A PADRE MASSIMO RINALDI, PORTO ALEGRE, 27/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

29/10/1904 | Na cidade de Rio Grande deve esperar uma semana para embarcar a Buenos Aires

29/10/1904, Sábado: Scalabrini escreve agradecendo o povo de Caxias

Querido pároco,

Ao chegar ontem à noite, encontrei o seu maravilhoso telegrama. De todo o coração, muito obrigado! Caxias, seu digno pároco e suas autoridades civis quiseram coroar magnificamente as gentilezas tidas comigo em toda a parte. Tudo o que vocês fizeram, constituirá uma das recordações mais belas de minha longa viagem.

Não cessarei de elevar aos céus os votos mais ardentes para que a pérola, a capital das colónias italianas, seja para todos, modelo de trabalho, de concórdia, de paz e, sobretudo, de apego profundo e sincero à nossa santa religião, base e fundamento da verdadeira grandeza.

Ao senhor, digníssimo pároco, os meus mais cordiais agradecimentos e os votos de que viva na alegria do Senhor.

Transmita também as minhas saudações aos bondosos sacerdotes que lá encontrei, ao Sr. Intendente, aos fabriqueiros, a todos, com carinho e com infinita gratidão.

Rezemos um pelo outro. No beijo santo.

Seu afetuosíssimo em J.C.

+ Gio. Battista, Bispo de Placência

(CARTA A CARMINE FASULO — RIO GRANDE, 29/10/1904)

 

29/10/1904, Sábado: Scalabrini escreve agradecendo o bispo de Porto Alegre

Estou aqui esperando o navio que me leve à Argentina, e antes de partir de sua Diocese, sinto no coração o dever e a necessidade de agradecê-lo profundamente pela cortesia e pela gentileza que me dispensou nos dias que passei ao seu lado. Asseguro-lhe que esses dias serão a lembrança mais suave que levo desta longa e cansativa viagem.

Deus lhe conceda, Exc.a., de ver realizados todos os santos ideais de seu zelo episcopal, e o conserve por longo tempo, para o bem desta Diocese, preparando-lhe uma rica coroa de glória no céu.

Queira transmitir meus sentimentos de afeto e gratidão ao digníssimo Vigário geral, tão estimado por sua piedade e por seu ardente desejo de servir a Deus, servindo ao seu caro e venerado pastor.

Queira, senhor bispo, lembrar-me ao Senhor em suas fervorosas orações.

(CARTA A DOM CLÁUDIO JOSÉ P. DE LEÃO, RIO GRANDE, 29/ 10/ 1904)

 

29/10/1904, Sábado: Scalabrini escreve ao Padre Camilo

Querido padre Camillo,

Na manhã do dia 27, parti de Porto Alegre, sendo acompanhado até o navio por um grande número de amigos. Em dois dias cheguei a Rio Grande, uma bela cidade de 35.000 habitantes. Aqui também fui muito bem recebido e conduzido à igreja, onde falei em português, já que a maioria da população é autóctone. Aos italianos farei uma conferência em particular. Nestes dias administrarei também a Crisma.

Disse, nestes dias, porque não sei quando poderei viajar para Buenos Aires: dependerá da chegada de um navio que vá para lá. Em Porto Alegre, a 300 milhas daqui, tive que esperar quase oito dias, e agora, até quando deverei aguardar? É uma grande pena: estar regressando e ter que ficar parado, quase prisioneiro, e quem sabe por quanto tempo! Isso retarda a data da minha chegada à Itália, enquanto começo a sentir um pouco de saudade. Mas, paciência! Vim por Deus e por seu amor é preciso sofrer pacientemente tudo, tudo.

Tanto a minha saúde como aquela do Carlo estão sempre excelentes, graças a Deus, e não me canso de agradecê-Lo do fundo do coração, pela proteção que me concede.

Adeus; saudações cordiais, sem fim a todos, ao padre Francesco, a Dom Vinati, Pinazzi, Rossi, Scrivani, Dallepiane, etc... Abraço-os. Rezem todos.

Todo seu

+Gio. Batista, bispo

(CARTA A PADRE CAMILLO — RIO GRANDE, 29/10/1904)


* Capítulo VIII do livro “Bem-aventurado João Batista Scalabrini – Centenário de sua visita ao Brasil e à Argentina” – Pe. Gelmino Costa (Organizador). Loyola, 2004. 

09/11/1904 | Chega no navio “Camarões” a Buenos Aires

09/11/1904, Quarta-feira: Chega no navio “Camarões” a Buenos Aires para se encontrar como o seu irmão Pedro a quem não via há 36 anos.

11/11/1904 | Dom Scalabrini conclui a sua visita à América do Sul

11/11/1904, Sexta-feira: Dom Scalabrini conclui a sua visita à América do Sul. Parte para a Itália.

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