Um herói virtuoso: A jornada de Padre José Marchetti em defesa dos migrantes e órfãos

Nascimento e Primeiros Passos na Fé
José Marchetti nasceu em 3 de outubro de 1869, em Lombrici de Camaiore, uma pequena vila na região da Toscana, Itália. Filho de Carolina e Ângelo, cresceu em uma família numerosa, ao lado de sua irmã Maria Assunta, que futuramente se tornaria co-fundadora da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo. Desde cedo, José demonstrou uma vocação espiritual forte, e, aos 23 anos, foi ordenado sacerdote diocesano. Seu caminho religioso se iniciou com a determinação de servir a Deus e àqueles que mais precisavam, sem saber ainda que sua jornada o levaria a ser um grande defensor dos migrantes e órfãos.

O Encontro com Dom Scalabrini e a Vocação Missionária
O encontro com Dom João Batista Scalabrini foi decisivo para a trajetória de Pe. Marchetti. Em 25 de abril de 1892, o jovem sacerdote participou de uma conferência de Dom Scalabrini sobre os desafios enfrentados pelos migrantes italianos. A fala do Bispo tocou profundamente o coração de Marchetti, que logo se ofereceu para integrar a Congregação dos Missionários de São Carlos e dedicar sua vida à missão de acolher e ajudar os migrantes. O Bispo de Piacenza, fundador da Congregação, aceitou prontamente seu pedido, e, em pouco tempo, Pe. Marchetti embarcou para o Brasil com o objetivo de apoiar os migrantes a bordo de navios que os transportavam para o Novo Mundo.

A Primeira Viagem ao Brasil: O Compromisso com os Migrantes
Na sua primeira viagem ao Brasil, Pe. Marchetti fez questão de embarcar sem privilégios, compartilhando as mesmas condições dos migrantes que acompanhava. A bordo do navio Maranhão, ao chegar ao Rio de Janeiro, ele se deparou com a dura realidade dos migrantes: mal acolhidos e expostos à exploração de fazendeiros que os tratavam com extrema crueldade. Pe. Marchetti percebeu rapidamente que, além da missão religiosa, sua tarefa seria proteger esses migrantes da exploração e buscar maneiras de aliviar seu sofrimento. Com um olhar atento e um coração compassivo, ele se comprometeu a ajudar na melhoria da situação desses imigrantes, refletindo sobre como poderia atuar de forma eficaz em sua defesa.

A Tragédia no Navio Giulio Cesare: O Impulso para a Fundação do Orfanato
Durante sua segunda viagem ao Brasil, a bordo do navio Giulio Cesare, um episódio comovente mudou definitivamente o rumo da vida de Pe. Marchetti. Uma mulher faleceu a bordo, deixando seu marido e filho recém-nascido sem amparo. O desespero do viúvo o levou a considerar o suicídio, mas Pe. Marchetti, com sua imensa compaixão, prometeu ao homem que cuidaria de seu filho. Esse gesto de amor e generosidade foi o marco inicial de uma grande obra que daria à luz o Orfanato Cristóvão Colombo, uma instituição destinada a acolher e proteger órfãos, filhos de imigrantes, garantindo-lhes um futuro mais digno.

A Fundação do Orfanato Cristóvão Colombo e a Luta pelos Imigrantes
Com o apoio de figuras como o Conde de Azevedo, Pe. Marchetti conseguiu adquirir um terreno no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e iniciou a construção do Orfanato Cristóvão Colombo. Inaugurado em 8 de dezembro de 1895, o orfanato rapidamente se tornou um símbolo de acolhimento e proteção. Mesmo antes da inauguração, Pe. Marchetti já estava pensando em expandir suas ações, com planos de construir um novo orfanato destinado a meninas, na Vila Prudente. No entanto, seus planos foram interrompidos de forma trágica quando faleceu prematuramente, com apenas 27 anos.

Uma Vida Dedicada ao Amor ao Próximo
Pe. José Marchetti viveu sua vida com uma urgência imensa de realizar o bem. Sua fé era profundamente vivida em ações concretas de caridade e dedicação aos outros. Ele estabeleceu um compromisso pessoal de não desperdiçar mais de 15 minutos por dia com coisas que considerava desnecessárias. Sua dedicação era total. Além de sua incansável gestão do orfanato, ele se dirigia frequentemente às fazendas de café no interior de São Paulo, visitando migrantes italianos e trabalhando para garantir que seus direitos fossem respeitados. Essa vivência intensa e sem descanso, no entanto, teve um preço alto para sua saúde, que sucumbiu à febre tifóide em 14 de dezembro de 1896.

O Legado
Embora sua precoce partida para a Eternidade tenha sido um golpe devastador, o legado de Pe. Marchetti continuou a inspirar e fortalecer a obra que iniciou. Sua dedicação ao cuidado dos migrantes e órfãos fez com que ele fosse lembrado por sua profunda humanidade e por sua incansável luta em defesa dos mais vulneráveis.

O Reconhecimento e o Processo de Beatificação
Em 5 de maio de 2000, o processo de beatificação de Pe. José Marchetti foi iniciado na Arquidiocese de São Paulo, e em 8 de julho de 2016, o Papa Francisco declarou-o venerável, reconhecendo a heroicidade de suas virtudes. Hoje, Pe. Marchetti é lembrado como um modelo de caridade cristã e dedicação aos migrantes, tendo deixado um legado que transcende seu tempo e continua a inspirar a Igreja e a sociedade. Sua vida é um testemunho do amor ao próximo, da urgência de ajudar os necessitados e de viver o Evangelho com intensidade e ação.


Texto: Vitor da Cruz Azevedo, Setor de Conteúdo do Departamento de Comunicação Regional

Foto: Arquivo Regional da RNSMM.

Datas importantes

3 de outubro de 1869

Nascimento e batismo de José Marchetti.

25 de setembro de 1876

José Marchetti é crismado.

19 de novembro de 1884

José Marchetti ingressa no seminário menor de Lucca.

19 de dezembro de 1891

José Marchetti é ordenado diácono.

2 de abril de 1892

Diác. José Marchetti é ordenação sacerdote.

3 de abril de 1892

Primeira missa do Pe. José Marchetti.

25 de abril de 1892

Primeiro encontro do Pe. José Marchetti com Dom João Batista Scalabrini, por ocasião da Conferência sobre a emigração ocorrida na igreja dos Servos de Maria em Lucca.

1 de outubro de 1894

Pe. José Marchetti acompanha quase metade de seus paroquianos (75 de 210 pessoas) de trem ao porto de Gênova, de onde partiam para as Américas.

15 de outubro de 1894

Pe. José Marchetti realiza a primeira viagem ao Brasil no navio Giulio Cesare como capelão.

26 de dezembro de 1894

Pe. José Marchetti realiza a segunda viagem ao Brasil no navio Maranhão. Fato que marcou a sua vida: a morte de uma mãe, deixando um filho órfão e um viúvo desesperado. Pe. Marchetti pensa na fundação de um orfanato para acolher as crianças órfãs.

17 de janeiro de 1895

Pe. José Marchetti chega a São Paulo.

28 de janeiro de 1895

Encontro do Pe. José Marchetti com o Conde José Vicente de Azevedo, ilustre benfeitor do futuro orfanato.

15 de fevereiro de 1895

Pe. José Marchetti inicia a construção do Orfanato Cristóvão Colombo.

20 de fevereiro de 1895

Pe. Marchetti encontra o bispo de São Paulo, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque. Este aprova a construção do orfanato.

31 de janeiro de 1895

Pe. José Marchetti pensa numa congregação feminina para auxiliar no orfanato; o nome da mesma seria “Colombinas de Jesus” (compartilha a ideia numa carta com Dom Scalabrini).

25 de outubro 1895

Pe. José Marchetti emite os votos religiosos nas mãos de Dom Scalabrini, assim ingressa oficialmente na Congregação. Na mesma data: 4 mulheres professam os votos religiosos dando início à Congregação das Missionárias de São Carlos – chamada no início de “Servas dos órfãos”.

27 de outubro de 1895

Pe. José Marchetti retorna definitivamente da Itália com as novas religiosas, no navio “Fortunata Ragio”.

8 de dezembro de 1895

Inauguração do orfanato na festa da Imaculada Conceição da Virgem Maria.

28 de novembro 1896

Os médicos confirmam a causa da febre que mantivera o Pe. José Marchetti indisposto. Tinha contraído Tifo em suas incansáveis visitas aos migrantes.

6 de dezembro de 1896

Pe. Marchetti é isolado a raiz da doença perigosamente contagiosa.

14 de dezembro de 1896

Morre Pe. José Marchetti – Tinha tão somente 27 anos.

10 de outubro de 1996

O arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns acolhe a iniciativa da Causa da Beatificação do Pe. José Marchetti.

9 a 12 de outubro de 1997

Seminário comemorativo do centenário da morte do Pe. José Marchetti, com o tema “A Criança e o adolescente no contexto das migrações”.

7 de dezembro de 1999

A Congregação para as Causas dos Santos autoriza o início da fase arquidiocesana do processo de beatificação do Pe. José Marchetti.

5 de maio de 2000

Abertura do processo de beatificação em São Paulo. Ao padre José Marchetti é reconhecido o título de Servo de Deus.

28 de novembro de 2001

Encerramento do processo. Todos os atos e as conclusões do processo de beatificação do Pe. José Marchetti são enviados à Congregação para as Causas dos Santos, em Roma.

6 de junho de 2002:

O postulador do processo de Beatificação do Pe. José Marchetti solicita da Congregação para as Causas dos Santos que também a língua portuguesa seja aceita como uma das línguas oficiais para o despacho das práticas do processo. O pedido é aprovado.

21 de fevereiro de 2003

A Congregação para as Causas dos Santos emite o Decretum de Validitate Processus, declarando válido o processo diocesano de São Paulo. O postulador dá início à tarefa de preparar a Positio. O resultado são dois volumes de mais de mil páginas cada um: o primeiro, contém todos os dados históricos e geográficos relativos à vida e ao trabalho do padre Marchetti; o segundo trata das virtudes praticadas em modo heroico pelo padre Marchetti.

22 de janeiro de 2008

Cinco dos seis peritos históricos da Congregação para as Causas dos Santos exprimem um juízo positivo sobre o conteúdo da Positio referente ao processo de beatificação do Pe. José Marchetti. As dúvidas levantadas pelo sexto perito são esclarecidas pelo postulador.

13 de outubro de 2015

Reunião do Congresso Peculiar da Congregação das Causas dos Santos para discutir sobre a heroicidade do Servo de Deus Pe. José Marchetti.

8 de julho de 2016

Pe. José Marchetti recebe do Papa Francisco o Decreto das Virtudes Heroicas. O título que lhe é atribuído é Venerável.

Oração ao Venerável Pe. José Marchetti

Deus, Pai de Amor, com o coração cheio de gratidão, estou diante de Ti para pedir a intercessão do Teu Servo, o venerável Padre José Marchetti.

Como cristão do seu tempo, acompanhou seus irmãos migrantes em suas tribulações. Com olhar de Fé e confiança em Ti, Pai de Amor, fundou casas para acolher e proteger as crianças órfãos. Gastou a sua vida breve amando teus filhos e filhas uma entrega total.

Se for tua vontade, Pai de Amor, pela intercessão do Teu Servo, José Marchetti, concede-me a graça que agora humildemente te peço.

Amém.

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