
Celebrar cinco décadas de vida sacerdotal é mais do que recordar uma história: é reconhecer a ação de Deus na fidelidade de um coração que se deixou moldar pelo Evangelho e pela missão. Em 05 de janeiro de 2025, Pe. Emídio Girotto, CS, completou 50 anos de sacerdócio e, nesta entrevista, partilha os caminhos que percorreu desde o despertar vocacional na infância até o serviço atual na Casa dos Padres Idosos, em Jundiaí, São Paulo, Brasil. Com simplicidade e profundidade, o Missionário Scalabriniano recorda sua trajetória ao lado dos migrantes, revela bastidores da animação vocacional e da formação, e renova o convite à confiança no Deus que chama, sustenta e envia.
1 – Como enxerga hoje, com 50 anos de sacerdócio, esse chamado que começou ainda pequeno?
Como disse o Papa Francisco: “Toda vocação cristã — sacerdotal, religiosa ou leiga — é um chamado especial de Deus e nasce da oração”. Eu era criança quando, certo dia, disse à minha mãe: “Quero ser padre!” E ela respondeu: “Sim, meu filho. Se for vontade de Deus, seu pai e eu lhe daremos todo apoio.” Mais tarde, já no Seminário, durante uma visita de férias à minha família, minha mãe me confidenciou que, antes mesmo de casar-se, durante uma missa na Comunidade São Brás, em Guaporé, Rio Grande do Sul, ouviu o Padre convidar as mulheres a rezarem para que um dia tivessem filhos Sacerdotes ou filhas Religiosas. A partir daquele momento, ela começou a pedir a Deus essa graça. Hoje, vejo que esse chamado foi gestado no coração de Deus e regado pela oração da minha mãe. Como diz o profeta Isaías: “O Senhor me chamou antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe Ele pronunciou meu nome” (Is 49,1). Sou fruto do amor de Deus, que falou por meio daquele Padre e tocou o coração de minha mãe. Sinto-me profundamente grato e acredito que minha fidelidade vocacional nasceu da intimidade com Deus na oração, da confiança Nele e da orientação dos meus formadores e da minha família.
2 – Que aspectos considera essenciais para o discernimento vocacional hoje, sobretudo entre os jovens?
A vida é dom e missão. Cada cristão, pelo batismo, torna-se membro da Igreja e é chamado a descobrir qual é o seu lugar no Corpo de Cristo. O discernimento vocacional começa com a pergunta: “Senhor, que queres de mim?” Essa escuta exige oração, intimidade com Deus, vivência comunitária e acompanhamento espiritual. Durante 19 anos trabalhei com animação vocacional, visitando escolas, paróquias e promovendo semanas vocacionais. Havia uma cultura vocacional nas famílias, que desejavam ter um filho Padre ou uma filha Religiosa. Hoje, essa realidade mudou. As famílias são menores, e os jovens têm muitas opções, o que dificulta a escuta do chamado. Mesmo assim, Deus continua chamando. O discernimento precisa ser acompanhado com paciência e abertura. A vocação acertada é futuro feliz. E o Seminário, ainda hoje, é um espaço privilegiado para esse acompanhamento.
3 – Que marcas a diversidade de atuação deixou em seu coração sacerdotal?
Ao longo desses 50 anos, atuei na animação vocacional, na formação e em diversas paróquias. Trabalhei com migrantes no interior de São Paulo, em Minas Gerais e em Rondônia. Uma das experiências mais marcantes foi a missão em Itacy, Carmo do Rio Claro (MG), onde visitávamos trabalhadores migrantes em fazendas de café, tomate, morango e cana-de-açúcar. Eram nordestinos, mineiros, paranaenses. Durante o dia, íamos ao encontro deles nos alojamentos; à noite, celebrávamos a Eucaristia com eles. Nunca me esqueço de uma frase de um migrante: “Ainda tem gente boa que pensa em nós.” Isso foi uma verdadeira injeção de ânimo para a missão. Foi nesse tempo que me senti plenamente Scalabriniano, um missionário a serviço dos migrantes.
4 – Atualmente, o senhor administra a Casa dos Padres Idosos, em Jundiaí, São Paulo. Como é essa experiência?
É uma missão muito diferente das anteriores, mas igualmente importante. Cheguei em fevereiro de 2024 e, desde então, venho aprendendo a servir com amor, paciência e escuta. Não fiz curso de cuidador, mas procuro seguir o exemplo de Jesus: “Senhor, dá-me um coração manso, humilde e paciente.” Cuidar dos coirmãos idosos é um gesto de gratidão e comunhão. É um tempo de graça, em que posso rezar, refletir e agradecer a Deus pelos 50 anos de sacerdócio.
5 – Que mensagem deixa aos jovens que sentem o chamado, mas têm medo de dizer “sim”?
É natural sentir medo diante de uma decisão tão séria. Mas o medo não deve paralisar. Maria e José também sentiram medo, mas confiaram em Deus. Jesus mesmo repetia aos discípulos: “Não tenhais medo.” Aos jovens eu digo: conheçam a vocação, busquem orientação, rezem, escutem. Deus chama com amor e sustenta com a graça. A vida com Cristo é uma aventura de fé e serviço.
6 – Se pudesse resumir sua vocação e missão em uma única frase, qual seria?
O amor com que Deus me amou, desde o ventre materno, me chamou para a vida Sacerdotal Scalabriniana. Com sua graça, procurei retribuir colocando minha vida a serviço das vocações e dos migrantes, buscando sempre realizar sua vontade.
Texto: Vitor da Cruz Azevedo, setor de conteúdo do Departamento Regional de Comunicação.
Foto: Arquivo pessoal.




