
A Carta de São Paulo aos Romanos é considerada o coração da teologia paulina. Nela, o Apóstolo reflete sobre a salvação que Deus concede gratuitamente a toda a humanidade, não por mérito humano, mas por sua graça abundante, acolhida na fé. Um dos pontos centrais dessa carta é o tema da justificação pela fé, tratado de modo especial em Romanos 3,21-31.
“Agora, porém, sem a Lei, manifestou-se a justiça de Deus, atestada pela Lei e pelos Profetas: justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os que creem. Pois não há distinção: todos pecaram e estão privados da glória de Deus, e são justificados gratuitamente por sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” (Rm 3,21-24).
O que significa “justificação”?
No uso comum, justificamos nossas atitudes quando apresentamos uma razão para elas. São Paulo utiliza essa imagem para expressar algo muito mais profundo: em Cristo, fomos “justificados” diante de Deus, ou seja, reconciliados com Ele.
O pecado nos afastava de Deus, tornando-nos incapazes de cumprir plenamente a Lei. A experiência de Israel mostrava essa fragilidade: a Lei era santa, mas o povo, limitado em suas forças, não conseguia cumpri-la integralmente (Rm 7,12-15). É a experiência de todo ser humano: queremos o bem, mas frequentemente fazemos o contrário.
É nesse contexto que resplandece a novidade do Evangelho: Jesus Cristo, derramando o seu sangue na cruz, justificou-nos diante de Deus. Ele tomou sobre si o peso do nosso pecado e abriu para nós o caminho da salvação.
A fé como resposta à graça
A justificação não é resultado de nossas obras ou méritos pessoais, mas fruto da graça divina. Portanto, a condição essencial para acolher esse dom é a fé. Não uma fé abstrata, mas uma adesão viva e confiante a Cristo. São Paulo proclama:
“Justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (Rm 5,1-2).
A nova e eterna aliança
Com a vinda do Messias, Deus estabeleceu uma nova e eterna aliança, selada no sangue de Cristo (Lc 22,20). Não dependemos mais da observância minuciosa da Lei para permanecer unidos a Ele. É Deus mesmo quem toma a iniciativa: Ele nos torna justos, gratuitamente, mediante a fé.
Essa realidade não é apenas uma ideia ou teoria: é um fato histórico, realizado na cruz e atualizado sacramentalmente na vida da Igreja. No batismo, pela fé, recebemos a graça da justificação e passamos a viver como novas criaturas (2Cor 5,17).
Um processo dinâmico
A justificação não é algo estático, mas um processo dinâmico que envolve toda a vida cristã. Santo Agostinho dizia que “Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti” (Sermão 169). Ou seja, Deus nos concede a graça, mas somos chamados a acolhê-la continuamente pela fé, pela vida sacramental e pela prática da caridade.
O Concílio de Trento (1545-1563), em resposta às controvérsias da Reforma, reafirmou esta verdade: “Somos justificados pela fé, porque a fé é o início da salvação humana, o fundamento e a raiz de toda justificação” (DS 1532).
Assim, a fé não anula as boas obras, mas as fecunda. Como ensina São Tiago: “A fé, se não tiver obras, está completamente morta” (Tg 2,17).
Viver hoje a justificação
A justificação não é apenas uma realidade do passado: é um dom presente, que se renova a cada dia. No batismo fomos justificados, mas cada momento da nossa vida é ocasião para acolher de novo essa graça.
Hoje, pela fé, posso recomeçar. Hoje posso deixar-me reconciliar com Deus no sacramento da Penitência. Hoje posso viver em novidade de vida, na graça que brota do amor de Cristo.
Texto: Pe. Antônio Cesar Seganfredo, CS.
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