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O sofrimento é parte inseparável da condição humana. Sabemos que ele se faz presente em algum momento da vida, seja na saúde, nas dificuldades familiares, em questões financeiras ou quando perdemos alguém que amamos. São realidades que todos sofremos ou podemos sofrer. Existem, porém, sofrimentos provocados, que se tornam uma imposição a ser suportada. O princípio básico é evidente: ninguém deveria buscar o sofrimento para si mesmo ou para os outros.
Existem muitos exemplos de sofrimento em nosso mundo, provocados pela falta de um emprego estável, pela deterioração social, rupturas familiares, situações de algum tipo de dependência: química, física ou emocional. São situações sempre dolorosas que fazem sofrer. Sem a menor intenção de comparar sofrimentos, somos convidados a observar uma situação gritante de dor e sofrimento a que são submetidas milhares de pessoas, todos os dias, chamadas de migrantes.
Ao pensarmos nos migrantes, devemos recordar que ninguém deixaria a sua casa, sua terra e seus familiares se não fosse obrigado a ir embora. As pessoas que deixam sua pátria vibrantes de alegria são turistas, cuja segurança está em seu cartão de crédito, que garante que poderão retornar quando desejarem. Os migrantes, por sua vez, começam uma peregrinação rumo ao desconhecido. Com esforço e fé, avançam e, às vezes, conseguem chegar ao destino escolhido. Alguns países criaram diversos empecilhos com o objetivo de conter os migrantes pobres. Países mais ricos geralmente são os mais fechados para os migrantes.
Algumas fronteiras se transformam em verdadeiras via-crúcis para os migrantes. Quem já não ouviu falar daquela imensa fronteira formada pelo mar e seus guardas-costeiras, onde milhares deixam a vida, transformando o Mediterrâneo, como disse o Papa Francisco, em um verdadeiro cemitério? Outra fronteira é a que separa o país do norte, onde cada se aventurar para chegar é cada vez mais perigoso. Os migrantes mais pobres sonham em chegar até lá, mas deverão superar muitos muros, como os da Guatemala e do México. Se conseguirem chegar, além de enfrentarem a rejeição, correrão o risco de não conseguirem se estabelecer com tranquilidade.
Esse sofrimento não por acaso chamamos de via-crúcis, pois assemelha-se muito ao caminho imposto a Jesus pelas autoridades religiosas judaicas e pelo Império Romano. Ele teve de carregar a cruz nas costas, instrumento multiplicador de sofrimento imposto apenas aos piores criminosos. Jesus caminha sem reclamar, às vezes, tropeça, e suas pernas não o sustentam mais, cedendo, então ele cai. Jesus é rejeitado, é injuriado e chicoteado, e mesmo assim ele avança carregando a sua cruz.
Os migrantes são rejeitados por serem pobres e caminham sem reclamar, choram diante da impotência e da falta de humanidade daqueles que deveriam se comportar como irmãos. Condenados a seguir viagem, alguns migrantes foram expulsos, outros se viram obrigados a deixar a sua pátria por necessidade econômica, por não encontrarem meios em sua própria terra.
Jesus caminha, cai, se levanta e recomeça. Quando as suas forças já estão no limite. Alguém, um pobre que vinha do trabalho, é obrigado a emprestar seus ombros a Jesus, que assim consegue respirar. O Cirineu é forte, mas também é pobre. Ele não é poderoso, mas mesmo assim oferece um alívio ao condenado.
Os migrantes, vez ou outra, encontram pessoas que lhes oferecem acolhida, um prato de comida quente, água pura e um lugar para descansar as costas encurvadas pela dor da caminhada. Às vezes, encontram casas de acolhida onde, além de pão, são recebidos com um sorriso. Então entendem que ainda são filhos e filhas de Deus dignos e o Pai não os abandonou. No dia seguinte, estão mais fortes, confiantes, e retomam o caminho com esperança.
Jesus caminha até o calvário com a sua cruz e é crucificado. Da cruz, grita como qualquer pessoa que sofre diante do sem sentido da tortura que um homem é capaz de perpetrar contra outro. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34), é o grito revoltado de Jesus diante do sofrimento. O próprio Deus não impõe o sofrimento a ninguém, e Jesus se revolta com a tortura que sofre. Ele sabe, porém, que o amor criativo de Deus não o deixará só. A prova desse amor é a ressurreição.
Nesse calvário, os migrantes, às vezes, conseguem uma vida nova a partir de suas conquistas. Quando conseguem sobreviver em meio a tantas rejeições, quando não adoecem consumidos pelo trabalho nem sempre reconhecido. Experimentam uma vida nova quando recuperam a própria dignidade e a de suas famílias.
A celebração desta quaresma, com suas oportunidades para um momento de oração maior, para um exame mais profundo, não nos permite ignorar o sofrimento de nossos irmãos migrantes. O mundo político adota um discurso de completa rejeição dos migrantes mais pobres. O discurso de ódio se multiplica, e parece que a proposta fraterna de Jesus não passa de um discurso vazio e sem força. Segundo Jesus, amar a Deus significa amar o próximo.
No entanto, é urgente lembrarmos que a paixão sofrida por Jesus não terminou na tristeza da tortura nem no silêncio do túmulo. Depois da quaresma, celebramos a Páscoa. Depois da cruz, vem a vida nova em Deus. Essa certeza deve ser a nossa força, a nossa esperança e a nossa alegria. Precisamos resistir com a força da nossa fé cristã para que a mensagem fraterna de Jesus se concretize nos pequenos espaços que nos cabem. Talvez não nos encontremos com um migrante necessitado de acolhida, mas não compactuemos com a ideia de que o migrante, simplesmente por ser migrante, seja um criminoso, um suspeito e um perigo. Sejamos para o outro o Bom Samaritano, com a palavra, com os nossos gestos, com as nossas atitudes.
Texto: Oscar Ruben López Maldonado.
Foto: Adobe Stock.