A emigração italiana

A história da Congregação dos Missionários de São Carlos está intimamente ligada ao drama da mobilidade humana ocorrida no século XIX na Europa. Como todo carisma eclesial, a Congregação surgiu como uma resposta dada a uma situação específica. Dom João Batista Scalabrini era bispo de Placência, toda a sua diocese, toda a Itália e grande parte da Europa encontravam-se em movimento. As causas são variadas e complexas. O fato é que em cem anos, desde 1820 a 1920, mais de sessenta milhões de pessoas deixaram a Europa para procurar um outro lugar que lhes proporcionasse uma vida melhor do que a própria terra lhes oferecia.
Entre as prováveis causas do êxodo humano europeu está a necessidade de abandonar o campo e migrar para as cidades, fato ocorrido com a Revolução Industrial e com as invenções das máquinas a vapor. Criaram-se empregos nas cidades, nas imensas fábricas. Encurtaram-se distâncias com os barcos e os trens a vapor. Violências, opções políticas equivocadas, desastres naturais, provocaram o empobrecimento e a consequente migração.
Assim estamos numa época em que milhares de italianos procuram o modo de deixar suas terras e o fazem essencialmente com esses dois símbolos da Revolução Industrial: o trem e o barco a vapor. As estações e os portos estão abarrotados de pessoas desesperadas que entendem a migração como único caminho de salvação. Roubar ou migrar era o dilema que milhares de pessoas encontravam.

É conhecida a cena paradigmática da estação de Milão, por onde passou o bispo de Placência, Dom Scalabrini, que seu olhar sensível registrou e cuja dor feriu o seu coração paterno. Assim ele mesmo narra o fato: “Passando pela estação, vi a vasta sala, os pórticos laterais e a praça adjacente invadidos por trezentos ou quatrocentos indivíduos, vestidos pobremente, divididos em diversos grupos. Nos seus rostos bronzeados pelo sol, marcados por rugas precoces que a privação costuma imprimir, apareciam o tumulto dos afetos que agitavam seus corações naquele momento, eram velhos curvados pela idade e pelas fadigas, homens na flor da virilidade, mulheres que levavam após si ou carregavam ao colo suas crianças…eram migrantes”.
Boa parte dos italianos emigraram para os Estados Unidos, a Austrália, a Argentina, o Brasil, entre outros países. Nestas terras desconhecidas, enfrentaram as mais diversas dificuldades, onde a carência de tudo é uma característica comum. Desmataram e criaram terras férteis para as plantações no Rio Grande do Sul, foram cafeeiros nas Fazendas de São Paulo e de Minas Gerais, construíram cidades com a constância da saudade e da falta da terra mãe.
O coração do bom bispo Scalabrini sofria com o drama de seus compatriotas: “Ecoa dentro de mim dolorosamente, até agora, a voz de um pobre camponês lombardo, vindo a Placência há dois anos, do extremo vale do Tibagi no Brasil, para me pedir, em nome da numerosa colônia, um Missionário. “Ah, Padre, dizia-me, com voz comovida, se soubesse quanto temos sofrido! quanto temos chorado, junto ao leito de nossos caros moribundos, que nos pediam consternados um padre…, e não poder tê-lo. Oh Deus, nós não, não podemos mais viver, não podemos mais viver assim”. E o pobrezinho continuava, com rude, mas eloquente linguagem, a narrar-me cenas verdadeiramente dolorosas. Eu confesso: nunca, como naquele momento desejei o vigor dos meus vinte anos, nunca lamentei, como então, a impossibilidade de trocar a cruz de ouro do Bispo por aquela de madeira do missionário para voar em auxílio daqueles infelizes, verdadeiramente infelizes, porque aos outros perigos para eles, se acrescenta o de cair no abismo do desespero” (João Batista Scalabrini, A migração dos operários italianos, 1889).

 

A resposta de Dom Scalabrini

Nossa História

Dom Scalabrini tinha fresca na mente a cena da estação de Milão e via crescer dentro de si uma inquietude: “Uma onda de pensamentos tristes me amargurava o coração. Quem sabe que cúmulo de desgraças e de privações, faz parecer-lhes doce um passo tão doloroso!… Quantos desenganos, quantas novas dores lhes prepara o futuro incerto! Quantos sairão vitoriosos na luta pela existência? Quantos sucumbirão entre os tumultos das cidades ou no silêncio das planícies inabitadas? Quantos, embora encontrando o pão do corpo, sentirão a falta do pão da alma, não menos necessário que o primeiro, e perderão a fé de seus pais numa vida toda material? Desde aquele dia, a mente me transportava frequentemente para aqueles infelizes… Sinto-me humilhado na minha qualidade de sacerdote e de italiano, e me pergunto de novo: como ajudá-los?”

Era necessário dar respostas em todas as frentes possíveis: política, social, religiosa. Dom Scalabrini envolveu políticos e estudiosos, incentivou a criar leis e políticas de proteção aos emigrantes, desafiou a Igreja a preocupar-se com seus filhos e filhas emigrados, buscou associações e organismos de defesa e acompanhamento dos migrantes, escreveu cartas e opúsculos relatando o drama migratório italiano.

Porém, sua resposta memorável foi pensar numa Congregação religiosa para a assistência aos emigrantes italianos nas Américas. O primeiro esboço do projeto de Dom Scalabrini era constituir uma associação de sacerdotes missionários, submissos à Santa Sé (à antiga Congregação De Propaganda Fide). O projeto final foi aprovado pelo Papa Leão XIII, em 15 de novembro de 1887, que consistia na fundação de um Instituto Missionário sob a responsabilidade de Dom Scalabrini, cujo objetivo estava descrito no Primeiro Regulamento (1888): “o fim desta Congregação é o de manter viva, no coração dos nossos compatriotas migrantes, a fé católica, e de prover, quanto possível, seu bem estar moral, civil e econômico.”

Assim, no dia 28 de novembro de 1887, Dom João Batista Scalabrini fundou o seu instituto missionário, o qual chamou de Instituto Cristóvão Colombo porque foi ele o primeiro a levar a fé católica ao novo continente. “Fundei, na minha Placência, o Instituto dos Missionários destinado à assistência religiosa dos nossos migrantes sob o nome glorioso do grande italiano descobridor do novo continente, Cristóvão Colombo (…). Desde 28 de novembro de 1887, data da sua fundação, este viu partir, para a América 48 missionários sacerdotes, espalhados, atualmente, em dezesseis missões, onze ao Norte e cinco ao Sul…” (Da assistência à migração nacional e dos Institutos que a provêm, Placência, 1891). Os primeiros missionários enviados ao Brasil por Dom Scalabrini foram 5 sacerdotes e 2 Irmãos, em 1888.

Admirador e devoto de São Carlos Borromeu, em 1891, Dom Scalabrini mudou o nome do seu instituto, confiando-o à proteção do grande santo: “Honrar-vos-ei de chamar-vos de agora em diante, os Missionários de São Carlos” (Aos missionários para os italianos nas Américas, Placência, 1892).

Somos Scalabrinianos

Nós somos uma “comunidade apostólica de religiosos inserida na atividade Missionária, que Cristo continua na Igreja, para a realização do plano divino no mundo e na história” (cf. Regras de Vida, n.1).

Nós somos os Missionários de São Carlos ou Scalabrinianos. O fundador da nossa Congregação foi o bispo italiano João Batista Scalabrini (1839-1905), por este motivo, somos conhecidos com o sobrenome do fundador, Scalabrinianos. Dom Scalabrini confiou a sua obra à proteção de um grande santo da Igreja, São Carlos Borromeu. Aqui, no Brasil, também somos conhecidos como Carlistas.

Nós somos discípulos-missionários de Cristo Migrante. Jesus nos envia aos migrantes e nos convida a reconhecê-Lo neles: “Eu era migrante e vós me acolhestes” (Mateus 25,35). Nosso carisma apostólico nos coloca no caminho dos migrantes: “Fazer-se migrantes com os migrantes, para edificar com eles, mesmo mediante o testemunho da nossa vida e da nossa comunidade, a Igreja que, na sua peregrinação terrena, se coloca especialmente a serviço das classes mais pobres e abandonadas; ajudar além disso os homens a descobrir Cristo nos irmãos migrantes e a colher nas migrações um sinal da vocação eterna do homem” (Regras de Vida, n.2).

Procuramos ser, com a Igreja e na Igreja, um sinal de acolhida e de proteção aos migrantes, a partir da percepção carismática de Dom Scalabrini, que respondeu ao apelo do seu tempo organizando mediações de defesa e acompanhamento dos italianos obrigados a deixar a pátria. Ele fundou a Congregação dos Missionários de São Carlos (1887) pensando em homens de Deus que pudessem entregar a própria vida para tornar-se missionários itinerantes pelo mundo. Ele também fundou a Congregação das Missionárias de São Carlos (1895), com o auxílio de Pe. José Marchetti e sua irmã Assunta Marchetti, para enviar mulheres de Deus para testemunhar o amor maternal de Deus por cada um de seus filhos e filhas. Ademais, Dom Scalabrini fundou associações de leigos para que completassem o conjunto de acompanhamento e defesa dos migrantes. O carisma scalabriniano, como dom da Igreja, atualmente é compartilhado também pelas Missionárias Seculares (1990), pelo Movimento Leigo Scalabriniano (MLS), pela Juventude Scalabriniana (JUVES), por inúmeros voluntários e por cada pessoa sensível com a causa da mobilidade humana no mundo.

Atualmente, atuamos em 33 países. Com nosso trabalho, com a ajuda de voluntários e benfeitores, mantemos obras e vários serviços, como: casas de acolhida para migrantes, centros de atenção aos migrantes, pastoral do migrante em organismos eclesiais diocesanos e nacionais, paróquias e missões, centros de estudos migratórios, seminários, centros Stella Maris, meios de comunicação social, escolas, entre outros.

A missão que Jesus Cristo nos confiou é bela! Nossas Regras de Vida definem bem em que consiste: “A própria finalidade apostólica de nossa missão nos induz a promover a salvação integral do homem. Por isso, além da assistência espiritual, prestamos aos migrantes nossa ajuda humana, social e cultural: denunciamos as causas dos males que os afligem e lutamos, ao mesmo tempo, para eliminá-las e para promover a sua comunhão e participação na comunidade que os acolhe. Nessa tarefa consideramos importante a colaboração dos leigos, como, desde o início, nos ensinou o Fundador. Acima de tudo, porém, nossa missão é a evangelização, que visa levar os migrantes à redescoberta da fé na própria vida” (Regras de Vida, n.7).

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