
A primeira coisa a levar em consideração é que o olhar de Jesus sobre os fenômenos migratórios não é um olhar estranho. Ele os observa não como um forasteiro, mas como alguém que viveu na carne a experiência do deslocamento compulsório. Trata-se, portanto, não de um olhar de quem se encontra do lado de fora desse drama cotidiano das migrações, que aflige milhões de pessoas, e sim de quem participa desde a partir de dentro.
De fato, como bem sabemos pelos relatos evangélicos de sua infância, Jesus nasceu fora dos muros da cidade, durante uma viagem de José e Maria devido ao recenseamento. “Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na casa” (Lc 2, 6-7).
Depois, ainda recém-nascido, novamente junto com a família, e devido à fúria e crueldade do rei Herodes, tiveram de se refugiar nas terras do Egito. Avisado por sonhos, José “se levantou, tomou o menino e sua mãe, durante a noite, e partiu para o Egito. Ali ficou até a morte de Herodes (...). Tendo recebido outro aviso em sonho, José partiu para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré” (Mt, 2,13-23).
A experiência de Jesus com a temática da migração, entretanto, não termina no período de sua infância. Ao contrário, segundo os grandes comentaristas bíblicos, Ele mesmo se torna um “profeta itinerante da Galileia”, sem deixar de se deslocar pela Samaria e pela Judeia. Basta ler um “resumo das atividades de Jesus, segundo o Evangelho de Mateus: “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte de doença e enfermidade. Ao ver a multidão, teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 35-36). Só o verbo “percorrer” já é indicativo da forma como Jesus levou adiante sua missão. Em lugar de esperar no Templo ou nas sinagogas, percorria os caminhos ao encontro da multidão. Esta, cansada e abatida, se reproduz hoje nos movimentos migratórios de massa em todas as direções.
Convém, ainda, tomar três episódios em que Jesus manifesta grande compaixão, e até predileção, pelos estrangeiros, notadamente samaritanos e sírio-fenícios. No evangelista João, temos o encontro de Jesus com a mulher samaritana, à beira do poço. Poço que dá ensejo ao diálogo entre dois tipos de sede e dois tipos de água. Ao final, Jesus, que manifestara sua sede, oferece água viva para a mulher (Jo 4, 1-42). Lucas, por sua vez, retrata a conhecida parábola do Bom Samaritano. Frente ao homem assaltado, ferido e caído à beira da estrada, o sacerdote e o levita, ambos funcionários do Templo, passam adiante indiferentes. Quem o socorre é justamente um samaritano, considerado inimigo figadal dos judeus. Socorre-o e coloca à sua disposição tudo aquilo de que dispõe para o cuidado do homem em perigo de vida. “Vai, e também tu, faz o mesmo” (Lc 10, 25-37), conclui Jesus, fazendo do estrangeiro um exemplo de caridade solidária. Por fim, Jesus rompe a fronteira e cruza o território sírio-fenício, cura uma criança possuída pelo demônio, filha de uma mulher daquela região. Ao final exalta a fé da mãe, como era seu costume (Mc 7, 24-30).
Mas não podemos fechar esta breve reflexão sem uma alusão ao chamado juízo final do Evangelho de Mateus. Ali, Jesus faz um elenco das pessoas mais vulneráveis, e por isso mesmo prediletas do Senhor. Vê-se que o critério da salvação passa pela atitude diante dos pobres: famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes e prisioneiros. Desde o ponto de vista das migrações, diz o texto: “Era forasteiro e me acolhestes” (Mt 25, 31-46).
Texto: Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS.
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