
“Hoje morreu a caridade!”. Foi com essas palavras comoventes que as órfãs do Orfanato Cristóvão Colombo, na região do Ipiranga, em São Paulo, Brasil, expressaram a passagem para a vida eterna de Madre Assunta Marchetti, no dia 1º de julho de 1948. No entanto, sua morte não representou o fim de uma obra, mas o florescimento perene de um testemunho de vida consumido por amor a Deus e ao próximo.
Neste dia 1º de julho de 2025, a Igreja celebra sua memória litúrgica, recordando aquela que foi, desde os primeiros tempos da missão Scalabriniana no Brasil, uma mulher de fé inabalável, de humildade evangélica e de ardor missionário. A Bem-Aventurada Assunta Marchetti é hoje referência de santidade encarnada no cotidiano, junto aos migrantes, órfãos, doentes e pobres.
Raízes humildes e o chamado de Deus
Assunta Caterina Marchetti nasceu em 15 de agosto de 1871, em Lombrici di Camaiore, na região de Lucca, Itália. Criada em uma família humilde, era a terceira dos onze filhos de Angelo Marchetti e Carolina Ghilarducci. Desde a juventude, sentia-se atraída pela vida contemplativa. No entanto, por circunstâncias familiares e pelo chamado do irmão, Padre José Marchetti – Missionário Scalabriniano e fundador do Orfanato Cristóvão Colombo no Brasil –, sua vocação tomou rumos inesperados.
Foi ele quem lhe apresentou um pedido comovente: “Estou sozinho com quase 200 órfãos... Olhe para o Coração de Jesus, escute seus apelos e depois me responda: vens ou não ao Brasil?”. O apelo do irmão foi o sopro do Espírito Santo que a conduziu à missão. Após oração e discernimento, Assunta respondeu com um “sim” irrevogável, entregando-se à vontade de Deus com inteira generosidade.
Um Instituto nascido da fé e da caridade
No final do século XIX, a Europa vivia o drama das grandes migrações. Milhares de italianos partiam rumo às Américas em busca de trabalho e dignidade. O Bispo de Piacenza, Dom João Batista Scalabrini, sensível ao sofrimento de seu povo, fundou duas Congregações para o serviço pastoral aos migrantes: os Missionários de São Carlos – Scalabrinianos (1887) e, posteriormente, as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas (1895).
Após a profissão dos votos nas mãos do próprio fundador, as quatro primeiras irmãs foram enviadas ao Brasil. Entre elas estava Madre Assunta Marchetti, que se tornaria a guardiã e impulsionadora do carisma nascente. Juntamente com o irmão, Pe. Marchetti, é reconhecida como Cofundadora da Congregação das Irmãs Scalabrinianas. Hoje, as filhas espirituais e sucessores do trabalho da Bem-aventurada Assunta Marchetti estão presentes em 27 países, como testemunhas do amor de Deus junto aos migrantes e refugiados.
O serviço às crianças e aos últimos
Chegando ao Brasil em 1895, as Missionárias assumiram a gestão do Orfanato Cristóvão Colombo. Ali acolhiam centenas de órfãos: filhos de imigrantes italianos, crianças abandonadas e filhos de ex-escravizados.
Madre Assunta tornou-se uma verdadeira mãe. Envolvia-se em todas as tarefas: cuidava dos doentes, ensinava o catecismo, cozinhava, administrava dívidas e animava as irmãs com palavras de fé. Após a morte precoce de seu irmão, vítima de tifo em 1896, ela assumiu a direção da obra com sabedoria e coragem, mesmo diante das muitas adversidades.
Humildade: caminho seguro para a santidade
A virtude da humildade brilhou com especial intensidade na vida de Madre Assunta. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, “a humildade é o fundamento da oração” (CIC 2559). Ela compreendia sua pequenez diante de Deus, e por isso se abria inteiramente à graça.
Inspirava-se nos sentimentos de Cristo – “Ele se fez pobre por nós” (cf. 2Cor 8,9) – e reproduzia em sua vida gestos concretos de compaixão: cuidava das crianças com ternura, acompanhava os doentes com paciência, servia as irmãs com alegria, mesmo nos serviços mais humildes. Sua vida era oração encarnada, serviço silencioso e entrega total. Como ela mesma dizia: “O lema da Congregação é fazer a vontade de Deus”.
Santidade cotidiana: um caminho aberto a todos
A vida de Madre Assunta revela que a santidade não é reservada a momentos extraordinários, mas é construída nos gestos simples e cotidianos. Como nos recorda São Pedro: “Tornai-vos santos também vós, em todo vosso proceder” (1Pd 1,15).
Ela procurava, dia após dia, descobrir o que Deus esperava dela nos acontecimentos ordinários: no cuidado aos pobres, na escuta das irmãs, na atenção aos enfermos, na educação dos órfãos. Rezava em silêncio, oferecia tudo a Deus, e intuía a melhor forma de servir.
Seu segredo espiritual consistia na identificação com os sentimentos de Jesus: abria-se ao amor, esvaziava-se de si, e confiava que Deus completaria aquilo que suas forças não alcançavam realizar. Como Maria, fez-se “serva” por inteiro.
O milagre de Porto Alegre e a beatificação
Em 1994, no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, um homem sofreu uma parada cardíaca grave durante um procedimento cirúrgico. Após mais de quinze minutos sem sinais vitais, a equipe médica temia o pior. Uma Irmã Scalabriniana, presente no hospital, iniciou uma oração fervorosa à Madre Assunta. Outras irmãs e familiares uniram-se à súplica.
Milagrosamente, o paciente recuperou-se por completo, sem nenhuma sequela. O fato foi considerado inexplicável pela ciência e reconhecido pela Igreja como milagre.
No dia 25 de outubro de 2014, na Catedral da Sé, em São Paulo, o Papa Francisco proclamou oficialmente a beatificação de Madre Assunta. Em sua mensagem no Angelus do dia seguinte, o Santo Padre disse: “Foi uma religiosa exemplar no serviço aos órfãos filhos dos migrantes italianos e via Jesus presente nos pobres, nos órfãos, nos enfermos, nos migrantes e nos necessitados. Demos graças a Deus por esta mulher, modelo de missionariedade incansável, e dedicação ao serviço da caridade.”
Memória viva e missão permanente
Celebrar a memória litúrgica da Bem-Aventurada Assunta Marchetti é celebrar a fidelidade de Deus que age por meio dos pequenos e humildes. Sua vida permanece como sinal profético no contexto das migrações, das periferias existenciais e do serviço evangélico.
Hoje, as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas continuam sua missão em diversos continentes, fiéis ao carisma de acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e refugiados.
A santidade de Madre Assunta é convite para todos: viver o Evangelho na simplicidade, servir com generosidade, rezar com confiança e amar com o coração de Cristo.
Texto: Vitor da Cruz Azevedo, Setor de Conteúdo do Departamento Regional de Comunicação.
Foto: Arquivo Regional da RNSMM.




