Mulheres e meninas em mobilidade: A migração feminina na América Latina

Em meio aos fluxos migratórios que cruzam fronteiras em busca de dignidade e sobrevivência, mulheres e meninas enfrentam desafios singulares e, muitas vezes, devastadores. Expostas à violência, exploração e discriminação, carregam o peso de recomeçar a vida longe de casa.

No Chile, a Congregação dos Missionários de São Carlos – Scalabrinianos, por meio do Centro Integrado de Atenção ao Migrante (CIAMI), transforma esse recomeço em uma possibilidade concreta de reconstrução com dignidade.

Com dois espaços destinados a acolhida — um em Arica (Casa de Acolhida São João Batista Scalabrini – Residência Familiar) e outro em Santiago (Casa São João Batista Scalabrini – Casa Feminina) — a Missão Scalabriniana acolheu, em 2024, um total de 250 mulheres e crianças, segundo dados do CIAMI. A maioria é proveniente da Venezuela, Colômbia e Equador, países profundamente afetados por crises econômicas, violência e instabilidade política.

De acordo com relatório publicado em maio de 2024 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a migração feminina na América Latina tem crescido e se tornado mais visível: as mulheres já representam cerca de 40% da população migrante na região e frequentemente percorrem jornadas solitárias, marcadas por riscos de violência sexual, exploração e tráfico de pessoas.

Vulnerabilidades de gênero no caminho migratório

A travessia migratória não representa apenas distância geográfica. Muitas mulheres chegam emocionalmente esgotadas, marcadas por violência doméstica, abandono e ausência de redes de apoio. Esses fatores aumentam a exposição à exploração e dificultam ainda mais o processo de adaptação.

“Há muitos casos de mulheres que fugiram de situações de violência doméstica e chegam sozinhas com os filhos pequenos, completamente desprotegidas”, relata André Ramoa, responsável pela administração e pelo serviço social da Casa São João Batista Scalabrini, em Santiago. Nessas situações, o acolhimento precisa ir além da estrutura física: envolve escuta ativa, amparo psicológico e fortalecimento da autoestima.

Um estudo divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em 2024 aponta que mulheres migrantes sozinhas com filhos estão entre os grupos mais expostos à precariedade no acesso à moradia, saúde e proteção legal — sobretudo quando estão em situação migratória irregular.

Infância migrante: direitos garantidos

A proteção às crianças migrantes é prioridade. Protocolos específicos orientam a atuação da equipe com menores de idade, assegurando o acompanhamento dos responsáveis e o acesso à educação e à saúde.

Uma pedagoga acompanha diretamente o processo de inserção escolar e conduz atividades socioeducativas enquanto a matrícula formal não se concretiza. “Nosso cuidado com as meninas exige atenção redobrada. A formação da equipe e a escuta respeitosa são fundamentais para garantir a integridade e o desenvolvimento delas”, afirma Ramoa.

Segundo a UNICEF Chile (2024), mais de 75 mil crianças migrantes vivem atualmente no país. Muitas estão fora do sistema escolar há longos períodos, o que compromete o desenvolvimento e dificulta a integração social.

Acolher com dignidade

O atendimento começa com escuta e compreensão. Cada mulher passa por uma entrevista diagnóstica, na qual são identificadas sua trajetória, motivos da migração, situação documental e vulnerabilidades. A partir disso, é elaborado um plano de intervenção individualizado, com apoio de uma rede que envolve organizações públicas e da sociedade civil.

“A inscrição no sistema de saúde primária (CESFAM) é um requisito básico para o ingresso na residência”, explica Ramoa. O atendimento inclui alimentação completa, lavanderia, distribuição de roupas, oficinas de empreendedorismo, acompanhamento psicopedagógico para crianças e palestras de fortalecimento pessoal.

Espaço de escuta e fortalecimento

Uma das iniciativas que marcam a atuação humanitária do CIAMI é a “Sala de Escuta Ativa” — um ambiente seguro e reservado onde as mulheres podem compartilhar suas dores, medos e esperanças. O espaço é o primeiro passo para o acompanhamento psicológico, conduzido por uma voluntária especializada em saúde mental de migrantes.

A presença pastoral da Paróquia Latino-americana também oferece suporte espiritual e comunitário. As mulheres acolhidas são convidadas a participar de celebrações religiosas e culturais, promovendo a integração e o sentimento de pertencimento.

Trabalho em rede: resposta solidária e resolutiva

O CIAMI integra a Rede Clamor, que articula instituições da Igreja envolvidas na causa migratória, e a plataforma Respuesta por Venezuela (R4V), coordenada pelo ACNUR e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM). A atuação também envolve escolas, centros de saúde, defensorias públicas e conselhos tutelares.

“Temos plena consciência de que só conseguimos oferecer respostas eficazes se atuarmos em rede. É indispensável manter alianças sólidas com instituições públicas e civis para atender às múltiplas dimensões da migração”, destaca Ramoa.

Carisma que restaura a esperança

O Carisma Scalabriniano está presente em cada ação do CIAMI. “Oferecer um lar, comida, apoio jurídico, psicológico e espiritual é uma forma concreta de viver o Evangelho e promover justiça social”, pontua André.

Para muitas mulheres, a chegada ao CIAMI marca o início de um novo capítulo. A espiritualidade, vivida com liberdade e respeito, tem papel essencial na reconstrução da esperança. “Acolher essas mulheres é um ato de fé, esperança e justiça. É tornar visível o amor de Deus no mundo.”

Mensagem ao mundo: acolher é dever humano

O CIAMI transmite uma mensagem clara: acolher mulheres migrantes não é apenas um gesto de caridade — é um imperativo moral. É reconhecer a dignidade de cada ser humano e promover caminhos para que elas possam reconstruir suas vidas com autonomia.

Cada mulher acolhida carrega uma história de dor e resistência. E, nas casas mantidas pelos Missionários Scalabrinianos no Chile, elas encontram mais do que abrigo — encontram a chance de reencontrar a própria dignidade.


Texto: Vitor da Cruz Azevedo, Setor de Conteúdo do Departamento Regional de Comunicação.

Foto: Adobe Stock.

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