
“A caridade de Cristo, recebida com o coração aberto, nos modifica, nos transforma, nos torna capazes de amar, não em um nível humano, sempre limitado, mas de acordo com a medida de Deus, ou seja, sem medida”. “Porque o amor de Deus não pode ser medido: é sem medida!”. “E, seguindo Jesus, nós - com a Eucaristia - fazemos de nossa vida um dom”.
A Quaresma é um tempo que nos convida a impulsionar nosso caminho espiritual. A Igreja nos oferece três caminhos ou três atitudes que devemos adotar para viver bem esse tempo.
Essas três atitudes podem contribuir para nossa conversão, para a mudança interna. Para favorecer a mudança, precisamos de: Abnegação ou expiação (jejum e abstinência), Oração e Caridade. Três práticas que, além de nos converterem internamente, devem nos levar a crescer no amor a Deus e no amor ao próximo. A verdade é que muitos realizam algumas dessas práticas quaresmais de forma superficial, sem deixar que elas toquem nosso coração e, portanto, sem levar a uma transformação real.
Do ponto de vista da fé católica, “a caridade é uma virtude teologal pela qual amamos Deus acima de todas as coisas e ao nosso próximo, como a nós mesmos, por amor a Deus. Jesus faz da caridade um novo mandamento. [...] Amando uns aos outros, os discípulos expressam o amor de Jesus que eles também recebem em si mesmos. É por isso que Jesus diz: ‘Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês. Permaneçam em meu amor’ (Jo 15,9). E também: ‘Este é o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei’ (Jo 15,12)” (CIC, 1822-1823)
São Paulo enfatiza em sua carta aos Coríntios que “se não tiver amor, nada sou” (1 Cor 13,2). E esse amor ao qual ele se refere não é um amor qualquer; é o amor caridoso, aquele amor que vai além das palavras e dos sentimentos para transformar-se em obras concretas. Quando Jesus nos pede que nos amemos uns aos outros como ele nos amou (cf. Jo 13,34), nos desafia a sair de nós mesmos, de nossa zona de conforto, para acolher o outro e buscar o bem do outro, mesmo quando isso implique sacrifício.
A caridade nos transforma a tal ponto de nos levar a uma abertura para acolher os outros sem exclusão, sem buscar nada em troca. Hoje, nossa sociedade precisa de pessoas que tenham essa abertura em seu coração; nossa sociedade precisa de homens e mulheres que acolham os migrantes, os marginalizados, as viúvas, os pobres... A caridade não consiste apenas em oferecer... A caridade é, acima de tudo, amor incondicional, ou seja, sem condições, é um amor que coopera, que se doa, que acolhe, que transforma. Caridade significa amar e compartilhar. São Paulo é muito claro quando diz que a caridade é o caminho perfeito: trata-se de amar e oferecer, amar e fazer o bem, amparar amando, ouvir amando, isto é, estar totalmente envolvido no amor.
A caridade é um sim concreto ao amor que Deus nos oferece. Não se trata de cumprir um dever, oferecer apoio ou “dar o que temos de sobra”, mas de doar nosso tempo, nosso ser, nossas energias e, às vezes, até mesmo a nossa riqueza, ou o que tivermos, para servir e acolher os outros. Ao viver a caridade, tornamos visível o Cristo migrante em nosso mundo.
A seguir, compartilho com vocês algumas palavras do Papa Francisco, de suas mensagens da Quaresma de 2021 e 2022, que nos ajudarão a entender e viver melhor este tempo a partir da caridade, ou seja, a partir do amor que nos transforma, do amor que acolhe:
“A caridade, vivida nas pegadas de Cristo, mostrando atenção e compaixão por cada pessoa, é a mais alta expressão de nossa fé e de nossa esperança”.
“A caridade se alegra ao ver o outro crescer”. O fato de vermos o outro crescer mostra a nossa aceitação e acolhida do outro com suas qualidades e defeitos.
“A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos, gerando o vínculo da partilha e da comunhão”. Nessa frase, vemos como a caridade nos transforma e nos faz sair de nós mesmos para compartilhar com o outro e aceitá-lo.
“A caridade é dom, que dá sentido à nossa vida e, graças ao qual, consideramos quem se encontra na privação como membro da nossa própria família, um amigo, um irmão”.
“Viver uma Quaresma de caridade significa cuidar daqueles que estão em condições de sofrimento, abandono ou angústia”.
“Não nos cansemos de fazer o bem na caridade ativa para com o nosso próximo. Durante esta Quaresma, pratiquemos a esmola, oferecendo com alegria”. Praticar a caridade é uma ocasião para se deixar transformar pelo amor na acolhida do outro. Não é possível falar de caridade sem amor. A caridade nos desafia a acolher a partir do amor, pois nos leva a aceitar o outro em sua dimensão integral.
A caridade nos transforma e nos aproxima de Deus para acolher Deus, o outro e a nós mesmos. A transformação ocorre em ações e palavras.
“A caridade alegra-se ao ver o outro crescer; e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado... A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos, gerando o vínculo da partilha e da comunhão. A caridade é dom, que dá sentido à nossa vida e, graças ao qual, consideramos quem se encontra na privação como membro da nossa própria família, um amigo, um irmão. O pouco, se partilhado com amor, nunca acaba, mas transforma-se em reserva de vida e felicidade” (Papa Francisco).
A caridade beneficia não apenas aquele que a recebe, mas também aquele que a pratica. São João Paulo II afirma que “o homem não pode se encontrar plenamente a não ser por meio da doação sincera de si mesmo”. Quando praticamos a caridade e as obras de misericórdia, não estamos apenas ajudando o outro, mas também permitindo que o amor de Deus transforme nosso coração. Tornamo-nos mais humildes, mais pacientes, mais compreensivos... mais parecidos com o Cristo migrante.
Texto: Pe. Jean Gaby Louis, CS.
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