Da dor da migração à luz da Ressurreição

Ao longo dessa semana, a Igreja vive a Semana Santa, o ponto central do Ano Litúrgico e da Fé Cristã Católica. É um tempo de contemplação dos últimos dias de Jesus: da entrada triunfal em Jerusalém até o silêncio do sepulcro e, por fim, à luz da Ressureição. Através da liturgia e da oração, os cristãos se unem à Paixão do Senhor, mergulhando no mistério do sofrimento humano redimido pelo amor.

Ao refletir sobre a Cruz de Cristo, somos interpelados também pelos sofrimentos concretos do nosso tempo. Entre os mais vulneráveis estão os migrantes, refugiados e deslocados forçados, que vivem, em seus corpos e histórias, uma verdadeira via-crúcis. Perseguições, guerras, fome, desastres ambientais, pobreza extrema e violações de direitos os obrigam a deixar suas terras e buscar refúgio em lugares muitas vezes hostis.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), até o final de 2024, mais de 114 milhões de pessoas estavam em situação de deslocamento forçado no mundo — o número mais alto já registrado. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) apontou que mais de 8.500 pessoas morreram ou desapareceram em rotas migratórias durante o ano de 2024, revelando a dureza do caminho trilhado por milhões de nossos irmãos e irmãs. Esses números não são apenas dados: são vidas marcadas pela dor, mas também pela esperança.

Assim como Jesus, os migrantes conhecem a solidão do Getsêmani, a rejeição das autoridades, o peso da cruz e o abandono da sociedade. Mas também, como Ele, carregam em si o desejo de vida nova. O Catecismo da Igreja Católica nos lembra: “A morte de Cristo é, ao mesmo tempo, o sacrifício pascal que realiza a redenção definitiva dos homens por meio do ‘Cordeiro que tira o pecado do mundo’, e o sacrifício da Nova Aliança que reconcilia o homem com Deus” (CIC 613).

Esse sacrifício redentor dá novo sentido ao sofrimento: não como fim, mas como passagem para a vida. Por isso, a cruz dos migrantes é também carregada com esperança. Como afirma o Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “A Igreja reconhece nos migrantes o rosto de Cristo, e neles vê a imagem do próprio Senhor peregrino” (nº 29).

A Igreja é chamada, à luz da Ressureição, a ser sinal de acolhida e fraternidade. Em sua Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco reafirma que: “(...) toda pessoa humana tem direito de encontrar um lugar onde possa viver com dignidade e desenvolver-se integralmente” (Fratelli Tutti, 129).

Por isso, comunidades cristãs, pastorais, missões e projetos de integração não são ações sociais: são expressões da fé pascal vivida na história. O Catecismo ensina que: “A acolhida do estrangeiro é uma experiência da moral cristã. [...] Em virtude da solidariedade humana, todos têm o dever de prestar ajuda ao próximo nas suas necessidades materiais e espirituais” (CIC 2241).

Essa ética do acolhimento está no coração da missão da Igreja, especialmente durante a Semana Santa, quando se atualiza o maior gesto de solidariedade divina com a humanidade: a entrega de Jesus por amor.

Assim, nesta Semana Santa, ao contemplarmos o Cristo crucificado e ressuscitado, somos convidados a enxergar seu rosto nos migrantes. A cruz que pesa sobre seus ombros também é redimida pela promessa da vida nova. E nós, como Igreja, somos chamados a ser Cirineus que aliviam o peso, a abrir nossas fronteiras e corações, a construir pontes e não muros.

Porque, para quem crê, o caminho da dor nunca termina no sepulcro: ele sempre aponta para a manhã da ressurreição.


Texto: Vitor da Cruz Azevedo, Setor de Conteúdo do Departamento Regional de Comunicação.

Foto: Adobe Stock.

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