A Espiritualidade é um convite a colocarmos Deus no centro de nossa vida que se expressa como extensão da vida interior nas relações cotidianas, que privilegia o outro, o próximo e não o eu. É o que procuraremos aprofundar nesta seção, isto é, um aspecto específico da Espiritualidade Scalabriniana, que é a acolhida da pessoa do migrante.
A acolhida não é a espiritualidade em si, mas uma expressão privilegiada da mesma. A acolhida do outro, do migrante, como expressão espiritual é bíblica. No livro do Gênesis é narrada a visita de três peregrinos (migrantes), que simbolizam a visita do próprio Deus. Abraão os acolhe com diligência, oferece-lhes comida e bebida. Assim, na acolhida destes migrantes no deserto, o próprio Deus estava sendo acolhido (cf. Gn 18, 1-10). Além do significado teológico mais profundo, do Deus que vem até Abraão, o significado singelo, mas não menos importante, é que o gesto de acolher os outros, os peregrinos, os migrantes, poderá ser ocasião para receber Deus na vida.
No Novo Testamento, Jesus apresenta um samaritano, ou seja, um estrangeiro como exemplo de quem sabe acolher. No caso narrado por Jesus, um homem fora machucado e deixado à beira do caminho, algumas pessoas passaram e não o ajudaram, tornara-se invisível aos seus olhos. Até que outro migrante o viu como um ser humano necessitado de acolhida. O samaritano se encarregou de cuidá-lo e, quando não mais podia fazê-lo, comprometeu-se economicamente para que outros o fizessem por ele (cf. Lc 10, 30-37).
Assim, a Sagrada Escritura alerta para a qualidade sacramental da acolhida, ou seja, o ato de acolher alguém, vai além do simples gesto em si. Abraão acolheu o próprio Deus por meio de três migrantes. É um ato sacramental por excelência. O migrante samaritano cuidou com compaixão de um desvalido e oportunizou um símbolo sacramental da acolhida. Acolher as pessoas, cuidar dos migrantes, são modos de ultrapassar todos os limites, egoísmos, pecados humanos, e ingressar numa realidade que a linguagem humana chama de Amor de Deus. Acolher o outro é um ato profundo de amor.
Quem nutre a sua espiritualidade pessoal com a inspiração carismática scalabriniana terá na acolhida como um termômetro de autenticidade espiritual. Em outras palavras, a Espiritualidade Scalabriniana tem a sua expressão privilegiada na acolhida do migrante e, ao mesmo tempo, o seu critério de veracidade que pode ser constatado na prática. A ausência de acolhida denunciaria não necessariamente uma falsa espiritualidade, mas a sua inconsistência e a falta de coerência. A minha espiritualidade inspirada no carisma scalabriniano torna-se consistente na medida que consigo praticar a acolhida do migrante.
Como toda qualidade espiritual, além de ser uma graça de Deus, exige da nossa parte disponibilidade, esforço e conversão. Jesus afirmava que é bem mais fácil amar quem nos ama e que não existe mérito algum em devolver o bem que os outros realizam em nosso favor, uma vez que essas ações até os pecadores as praticam (cf. Lc 6, 32-36). A virtude cristã, por tanto, está na prática da gratuidade, sem esperar recompensa ou reconhecimento. A acolhida ao migrante exige esforço e gratuidade porque o outro nem sempre é como esperamos que seja. O migrante é diferente, tem personalidade diferente, pensa diferente, tem desejos diferentes.
A Espiritualidade Scalabriniana manifesta a sua concretude na acolhida do migrante. A acolhida tem a sua fundamentação bíblica e tem o seu impulso carismático em São João Batista Scalabrini que, vendo o sofrimento de seus compatriotas migrantes, encontrou uma forma prática de acolhê-los, acompanhá-los, defendê-los de todos os perigos possíveis no trajeto da migração e no caminho da vida. Eis então o desafio para todos nós que nos alimentamos da Espiritualidade Scalabriniana: exercitarmos na nossa prática o que vivemos interiormente na nossa relação com Deus, ou seja, acolhermos integralmente a pessoa do migrante, acompanhando-o e defendendo-o.
Por Oscar López Maldonado
