
Quando jovem sacerdote não lhe fora permitido partir em missão, mas isso não inibiu o entusiasmo missionário de Scalabrini que fermentou de tal modo sua ação pastoral a ponto de Pio XI chamá-lo “Bispo Missionário” e Bento XV reconhecer que para seu coração uma diocese não era suficiente.
Fundou duas congregações missionárias, cruzou o Atlântico para visitar seus missionários e os emigrantes, chegou a preocupar-se com a catequese dos indígenas brasileiros depois de seu encontro com o chefe de uma tribo em Tibagi, no Paraná. E animava os missionários que partiam: “Cada expedição de missionários é a repetição, ou melhor, a continuação daquela que o Divino Mestre realizou, quando disse aos Apóstolos: ‘Ide e ensinai a todos os povos’” (Discurso aos missionários que partiam, 9/9/1891). Assim como o Filho de Deus “se prolonga em nós” e a Igreja é “Jesus Cristo difuso”, como ele afirmava, assim devemos viver a vida de fé nesse dinamismo de irradiação da comunicação da experiência de Deus, de sua Palavra.
A missão da Igreja consiste primeiramente na Palavra divina que é lançada no terreno do mundo. “A palavra: esta potência concriada com o pensamento e reveladora de mundos ideais, este vínculo misterioso que conjuga a natureza física com a moral, que une intelecto a intelecto, coração a coração (...)” (J. B. Scalabrini, Sobre a instrução das surdas-mudas, 1880).
De fato, como nota Pe. Stelio Fongaro, nas três mais significativas atividades de Mons. Scalabrini percebemos o denominador comum da Palavra de Deus (Fongaro, S., A voz, o caminho, a ação do “Apóstolo dos Migrantes”, s.l. 1997, 85-86):
- que na Catequese é desenvolvida: “O Catecismo é o Evangelho, a alegre palavra de Jesus ou, melhor ainda, o Evangelho pode ser chamado o livro das catequeses de Jesus” (J. B. Scalabrini, O Catecismo Católico, 1877). São famosas muitas das iniciativas de Scalabrini que evidenciam o lugar primário da catequese na sua visão pastoral missionária.
- que aos surdos é impossibilitada: “A Religião, o sabeis, é revelação, e a revelação é palavra, de fato a inteligência divina não pode se comunicar à [inteligência] humana se não por meio da palavra” (J. B. Scalabrini, Sobre a instrução das surdas-mudas, 1880). Na sua carta pastoral Scalabrini fala de “instrução”, não de assistência dos surdos-mudos.
- que aos migrantes é privada: “As desgraças da nossa emigração se resumem nisto: a perda da fé por falta de instrução religiosa... Ah! A desventura da privação daquele pão espiritual que é a Palavra de Deus!” (J. B. Scalabrini, Primeira conferência sobre a Emigração, 1891). Scalabrini, diante da Santa Sé, define sua Congregação de missionários para os emigrantes como um “projeto de evangelização”, de fato é tarefa da Igreja “a evangelização dos filhos da miséria e do trabalho”, como dizia.
Uma espiritualidade missionária que concebe uma Igreja aberta, não voltada para si ou em atitude de defesa, mas que está no mundo e, por isso, abraça a história como parte de sua missão, interpretando os acontecimentos à luz da fé: “o mundo caminha e nós não devemos ficar para trás, por qualquer dificuldade de formalismo ou ditame de mal-entendida prudência” (J. B. Scalabrini, Centenário de S. Encíclica do Santo Padre, 1891). Também no que diz respeito à congregação que fundou, Scalabrini concebia a vida religiosa distante de formas rígidas tradicionais que podiam impedir a prontidão pastoral de seus missionários.
A espiritualidade missionária de Scalabrini encontrou nos migrantes a força generante de seu maior projeto apostólico. Viu-os não apenas como uma massa em fuga e, por quanto os incluísse poeticamente entre sementes, plantas ou pássaros, contemplou através deles o sopro do Espírito: o mesmo Espírito que protagoniza a encarnação da Palavra, que anima a Igreja e que continuamente nos provoca a armar as tendas em outro lugar.
Por P. Eduardo Pizzutti, CS