
Vez ou outra, ao olharmos o céu, conseguimos vislumbrar uma estrela cadente e ficamos admirados porque acreditamos tratar-se de um fato raro. Ocorre o mesmo ao nos aproximarmos de uma vida abreviada, rara, bonita e cheia de significado. A vida do Pe. Alberto Romano Zambiasi, CS, passou tão rápido, mas deixou marcas e uma direção para o cuidado integral dos migrantes.
Origens
Nasceu em 9 de agosto de 1944, na pequena comunidade de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul. No seio da sua família, marcada pela migração, cresceu a religiosidade e a fé em forma de vocação. Entrou no seminário em Guaporé e, ao concluir o noviciado, professou seus primeiros votos religiosos na família Scalabriniana, em 3 de fevereiro de 1965. Deixou o Rio Grande do Sul para continuar a sua formação em São Paulo, onde estudou filosofia, sociologia e teologia, no Seminário João XXIII. Após um árduo caminho formativo, foi ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1976, na sua cidade natal, pelo Bispo Dom Alberto Etges. Sua primeira destinação como sacerdote foi a Igreja da Paz, em São Paulo.
Amor aos migrantes
O migrante foi o motivo maior da vida do Pe. Alberto, porque acreditava que nestas pessoas estava o próprio Senhor Jesus. Ele tinha convicção de que não era possível ser fiel ao legado de São João Batista Scalabrini sem uma acolhida concreta dos migrantes. Naquela época, o Brasil vivia o êxodo do campo para a cidade, as vilas se multiplicavam, as periferias cresciam. Todos os dias, os ônibus traziam milhares de pessoas para São Paulo. Nos anos 70 foi improvisada uma rodoviária, debaixo do viaduto na Baixada do Glicério, para os migrantes que vinham do norte e do nordeste, vizinha da Igreja da Paz.
Pe. Alberto Zambiasi era um seminarista atento à realidade e mostrou-se inquieto diante da mobilidade humana. Não perdeu tempo, deixou-se interpelar pelo que via acontecer diariamente na cidade e nas periferias. Encontra-se registrado o trabalho de campo que realizou com outro colega, Alvírio Morés, ambos estudantes de filosofia no Seminário João XXIII, para entender o que estava acontecendo com o país, cujos habitantes buscavam desesperadamente as grandes cidades.
São duas pesquisas, a primeira realizada em 1968 e a segunda em 1969. A primeira analisou o trajeto que os migrantes realizavam “pela ferrovia Central do Brasil, desde a estação Roosevelt de São Paulo até Monte Azul, divisa do estado de Minas Gerais com a Bahia. A finalidade desta primeira viagem de estudos foi constatar as situações de viagem dos migrantes e analisar, nos locais de origem, as causas do êxodo”. Os dois jovens estudantes afirmam que percorreram a Ferrovia em trens de segunda classe, “acompanhando, entrevistando e enfrentando as mesmas situações das várias levas de migrantes que viajaram conosco, bem como, parando nas cidades de maior êxodo rural do norte mineiro, para efetuar o levantamento socioeconômico entre o homem do campo. Montes Claros, Monte Azul, Espinoza, Januária, São Francisco e Belo Horizonte foram as cidades pesquisadas nesta viagem”.
A segunda pesquisa seguiu a linha do trem da Alta Sorocabana, “desde a estação Sorocabana de São Paulo até o sudoeste de São Paulo e norte do Paraná, teve por objetivo constatar o problema de integração dos migrantes, nos locais de destino”. Afirmam que conseguiram “fazer um levantamento minucioso do problema nas cidades de Sorocaba, Ourinhos, Assis, Presidente Prudente, Presidente Wenceslao, Presidente Epitácio, Mirante do Paranapanema (em São Paulo) e Maringá e Astorga (no Paraná). Entre as duas viagens, alcançamos um total de 593 entrevistas, sendo que: 230 em zona rural; 237 em trânsito - nos trens, albergues e estações ferroviárias - e, 126 nas cidades, aplicadas junto a autoridades civis e eclesiásticas, agrônomos, médicos, professores, agentes de polícia, diretores e funcionários da migração, chefes de estações ferroviárias etc.” (O rico texto integral pode ser lido na Revista Travessia, número 52, de 2005).
Uma casa para os migrantes
Uma das respostas aos desafios da realidade da migração interna, foi a ideia de criar uma casa que acolhesse alguns desses migrantes como um sinal e apelo para a sociedade e à Igreja. Alberto Zambiasi ainda estudava teologia, em 1974, quando fundou a AVIM – Associação de Voluntários para a Integração dos Migrantes, cuja primeira finalidade era acolher os migrantes que chegavam em São Paulo, de diferentes regiões do país, em busca de trabalho. Além da primeira acolhida, a AVIM oferecia cursos profissionalizantes para facilitar a inserção no mercado de trabalho, na sua sede, na Igreja da Paz, e em outros dois lugares nas periferias, envolvendo mais de 200 voluntários leigos, e organizações nacionais e internacionais que financiavam os cursos. Também foi fundado um jornal, “O Migrante”, cuja finalidade era informar e conscientizar sobre a mobilidade humana.
A iniciativa deixou marcas na comunidade religiosa Scalabriniana de São Paulo, assim como na própria Congregação e na Igreja, uma vez que a casa se apresentava como um braço da mãe acolhedora, que era a Igreja. A AVIM acolhia os migrantes internos e, mais tarde, a partir de 1980, a casa também começou a receber os imigrantes hispano-americanos, dos países vizinhos que, por motivos políticos ou econômicos, procuravam no Brasil a possibilidade de recomeços. Também acolheu solicitantes de refúgio de diferentes países da América do Sul, da Europa e da África.
Há um informe sobre o estudante de teologia Alberto Zambiasi que corrobora a sua iniciativa e seu espírito empreendedor, ousado para a época, uma vez que ainda era estudante, faltavam alguns anos para ser ordenado sacerdote. Com a AVIM, recém fundada, tudo estava por ser feito, era necessário animar o grupo de leigos comprometidos, assim, precisava de um meio de transporte, que o seminário, naturalmente, não possuía. Organizou um modo de angariar fundos para comprar um carro, negociando com o Pároco da Igreja São João Batista, este lhe vendeu com certas facilidades um carro velho, modelo 1951, que seria muito útil para as urgências pastorais. O que mostra, de algum modo, o espírito inquieto e urgente por responder aos problemas concretos.
Na AVIM, o Pe. Zambiasi desenvolveu toda a sua potencialidade religiosa e humana a serviço dos migrantes, onde permaneceu até a sua morte.
A despedida prematura
Era tempo de férias com a família, tempo que antecede uma preparação cheia de saudades, tempo de reencontro com os seres queridos, de alegria e de descanso. O Pe. Alberto foi convidado para uma inocente caçada de lebres, que aceitou com gosto e acompanhou seu irmão. Assim, naquela noite terrível, aos 40 anos, a morte de um modo improvável, acidental, chamou o Pe. Alberto Zambiasi, deixando uma multidão de pessoas atônitas sem compreender uma morte tão prematura. Era 23 de junho de 1985, dia que era celebrado o dia do migrante.
Na missa de corpo presente o sobrinho do Pe. Alberto, Dalvi, leu uma comovente despedida, na qual entre tantas palavras sentidas, disse: “Quando vieste pela última vez e nos reuniste em torno de ti, quando quiseste ter um pouco de lazer, quando quiseste descansar, nós te perdemos”.
Eis o mistério da vida e da morte que deixou a comunidade se perguntando sobre o significado de tudo aquilo. As palavras de pesar fizeram-se sentir. Os migrantes choraram pelo seu amigo e defensor. O sentimento comum foi manifestado pelo Arcebispo de São Paulo, Dom Evaristo Arns: “A morte de tão estimado colaborador, Pe. Alberto Zambiasi, me tocou como se fosse o desaparecimento do meu parente muito achegado. De fato, para nós era um irmão e para os migrantes o pai mais solícito”.
A morte do fundador da AVIM, fez com que na década de 1990, a Congregação dos Missionários de São Carlos, assumisse integralmente a direção da casa, que passou a se chamar simplesmente Casa do Migrante. Consciente da amplitude problemática dos migrantes na cidade de São Paulo, na impossibilidade de acolher a todos, a Congregação optou por uma acolhida personalizada e de qualidade, sem considerar a quantidade. Era importante ser um sinal da acolhida, embora pequena, que pudesse motivar toda a sociedade e à própria Igreja, certamente, como sonhava o Pe. Alberto Zambiasi.
Sua memória é um ar fresco para a missionariedade e um convite para os jovens a lançarem-se, sem medo, no serviço concreto dos migrantes mais vulneráveis. Embora fugaz, como uma estrela cadente, deixou um rastro de dedicação, bondade e entrega pelos migrantes. Um autêntico ‘pai solícito dos migrantes’, um homem de Deus.
Em 2024, a Casa do Migrante celebra 50 anos de serviços qualificados aos migrantes. Atualmente, a casa permite a permanência de apátridas, imigrantes, solicitantes de refúgio e refugiados conforme necessidades individuais. Com capacidade para acolher até 110 pessoas, divididas entre dormitórios femininos e masculinos, áreas de integração mista que inclui sala de TV, biblioteca, sala de reunião, brinquedoteca e lavanderia. A estadia inclui alimentação, aulas de português, apoio psicológico e acompanhamento de assistentes sociais. Todos os moradores da casa recebem materiais de higiene pessoal e roupas, e podem utilizar o seu endereço para recebimento de correspondência. Ao longo do ano, são promovidas atividades que estimulam a convivência, o intercâmbio cultural e a adaptação dos migrantes, solicitantes de refúgio e refugiados à nova vida, incluindo palestras formativas, encaminhamento para cursos profissionalizantes, atividades de lazer e comemorações festivas.
Com esta recordação festiva do jubileu da Casa do Migrante, quisemos também fazer memória de seu idealizador e mostrar que seu legado continua vivo.
Texto: Oscar Ruben López Maldonado.
Foto: Arquivo Regional.